segunda-feira, 23 de março de 2009

O QUE ALCATRAZ E PAQUETÁ POSSUEM EM COMUM?




A ilha de Alcatraz está localizada no meio da baía de São Francisco, Califórnia, Estados Unidos. Construída como base militar, foi transformada na década de 1930 em Prisão Federal, com o status de prisão de segurança máxima, tendo abrigado criminosos famosos como Al Capone.
A prisão em Alcatraz foi desativada na década de 1960, pois o governo federal norte-americano considerou-a de cara e difícil manutenção.
Enquanto isso, a ilha de Paquetá está situada no interior da baía de Guanabara, no estado do Rio de Janeiro, Brasil.
Descoberta em 1555 por André Thevet, cosmógrafo da expedição de Nichoal Durand de Villegagnon, a ilha consiste atualmente em um pólo turístico, atraído a visita de nacionais e estrangeiros interessados em conhecer um recanto de tranquilidade há poucos quilômetros do fremético centro da cidade do Rio de Janeiro.
A ilha ficou famosa pelas visitas da Família Real portuguesa, desde 1808, e como residência de José Bonifácio de Andrada e Silva, considerado como o patriarca da independência brasileira.
Além das pessoas que optam em trabalhar em Paquetá, a ilha abriga um elevado contingente de pessoas idosas e aposentadas. A tranquilidade da ilha constitui o principal atrativo para nela se residir.
Mas afinal, o que é que a prisão em Alcatraz e a ilha de Paquetá possuem em comum?
À primeira vista, nada. Mas, basta algum tempo no cotidiano da população da ilha para saber o que a ilha localizada na baía de São Francisco, na Califórnia, e a situada no interior da baía de Guanabara têm em comum.
O acesso a ilha de Paquetá somente é garantido por barcas ou lanchas, assim como a ilha de Alcatraz.
Coube a empresa Barcas S.A., mediante licitação pública, o direito de explorar o setor de transporte hidroviário entre a Praça XV (no centro da cidade do Rio de Janeiro) e a ilha de Paquetá, e vice-versa.
Até algum tempo, além da empresa Barcas S.A., a empresa Transtur S.A. também explorava o setor, mediante a utilização dos chamados "aerobarcos".
Ocorre que, por ausência de motivos oficiais, a empresa Transtur S.A. cessou suas atividades de transporte, o que garantia o acesso de pessoas a ilha de Paquetá em cerca de 30 minutos, ou seja, metade do tempo utilizado pela empresa Barcas S.A. para cumprir o trajeto (há muitas especulações sobre a “falência” da empresa Transtur S.A.).
Assim, desde a cessação das atividades da empresa Transtur S.A., tem cumprido exclusivamente a empresa Barcas S.A. a exploração do transporte de passageiros entre a Praça XV e a ilha de Paquetá.
O problema é que, além das irregularidades verificadas nos horários de funcionamento das barcas, o equipamento utilizado para o transporte de passageiros, ao que tudo indica, está obsoleto, manifestando incessantes problemas - o que, inclusive ensejou a instalação de uma CPI.
Conforme noticiou a imprensa local, na noite do dia 22 de março de 2009, domingo, passageiros da barca Vital Brasil, de propriedade da empresa Barcas S.A., ficaram à deriva por duas horas, no meio da baía de Guanabara, às escuras e sem qualquer informação por parte dos funcionários da referida empresa (confira http:/jbonline.terra.com.br, acessado em 23/02/2009, às 17h).
De acordo com a empresa Barcas S.A., a deriva teria sido causada por problemas no leme da embarcação.
Vale registrar aqui que não se trata de fato isolado. Muito pelo contrário. Quem reside ou trabalha em Paquetá sabe muito bem dos aborrecimentos e temores que implicam na viajem entre a ilha e Praça XV.
A empresa Barcas S.A. há muito já vem prestando inadequadamente os serviços de transporte aos moradores e trabalhadores da ilha de Paquetá (se é que algum dia o prestou satisfatoriamente), mesmo sendo a única empresa a explorar o setor, o que, aliás, constitui uma aberração num sistema político-econômico fundado na democracia e livre-concorrência.
A Administração Pública parece não estar interessada em tomar as medidas cabíveis, considerando sua competência e seu poder-dever (típicos do poder de polícia administrativa) e o Poder Judiciário, quando não arbitra indenizações pífias, faz aquilo que melhor sabe fazer: demorar na prestação jurisdicional, o que, por si só, consiste numa evidente injustiça.
A empresa Barcas S.A. continua a prestar serviço público de modo defeituoso (segundo a concepção da Lei n° 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor), garantindo-se no monopólio do setor de transporte hidroviário entre a Praça XV e a ilha de Paquetá; não se verifica qualquer atitude efetiva por parte do Poder Público (como aplicação de multa ou rescisão do contrato de prestação de serviço público de transporte), no sentido de pressionar a empresa a melhor prestar seus serviços; e não se abre processo de licitação para que o transporte de passageiros entre as duas localidades mencionadas seja ampliada, o que garantiria a do direito de locomoção reconhecido pela Constitucição Federal (ir e vir - vide art. 5°).
Uma forte neblina ainda insiste em ficar no ar da baía de Guanabara, assim como aquela que tenebrosamente paira na baía de São Francisco, Califórnia, em dias cinzentos. Daqui há pouco, sair de Paquetá será tão emocionante como tentar a fuga da prisão de Alcatraz, em tempos passados.
Quem se aventura?

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

ABUSOS E OMISSÕES


Tento me conter, mas não consigo; ainda mais com alguns acontecimentos que não podem passar despercebidos pelos meus olhos e ouvidos.
Recentemente, aqui no Brasil, dois eventos me chamaram a atenção.
O primeiro deles se refere à iniciativa do Senado de aumentar o número de vereadores por todo o país, gerando um impacto de R$ 4,8 milhões anuais.
Li uma notícia que continha o seguinte teor:
“Com o plenário lotado de suplentes, numa sessão relâmpago e em rito sumário, o Senado aprovou na madrugada desta quinta-feira a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que recria 7.373 dos 8 mil cargos de vereadores cortados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2004, com apoio quase unânime dos governistas e oposição”. (http://oglobo.com. publicada em 19/12/2008. acesso em 07/01/2009).
O segundo evento diz respeito a gratificação de funcionários públicos por cursos de especialização.
“Câmara decide instituir bônus renegado pelo Senado. A chamada gratificação por especialização deveria ser destinada apenas a servidores com pós-graduação. Mas será paga também aqueles que detém cargo de chefia sem jamais terem estudado depois da faculdade” (Correio Braziliense. 08/12/2008, p. 1 e 4).
A tal gratificação pode gerar um impacto financeiro para o país de 4 milhões por mês.
Tais fatos, por si só, já me causariam indignação. Mas a situação se agrava quando penso que estamos num momento de crise financeira mundial, em que alteridade, poupança e prudência são palavras de ordem.
Fico me perguntando como há Propostas de Emenda a Constituição da República Federativa do Brasil (PECs) que são votadas nas casas legislativas federais em tão pouco tempo e mediante tamanha mobilização de nossos representantes populares. Mas, a reposta vem logo em seguida quando me lembro das várias modificações realizadas em nossa Constituição para atender a grupos específicos. E aquela concernente ao aumento do número de vereadores serve para ilustrar o fisiologismo dos representantes populares nas casas legislativas e como os mandatos políticos neste país tem servido para privatizar interesses públicos.
Sem querer me enaltecer, há algum tempo venho dialogando com pessoas sobre o fim do voto secreto dos nossos representantes nas casas legislativas – Congresso e Senado; Câmara dos Deputados Estaduais e Câmaras dos Vereadores.
Em que pesem alguns movimentos ainda isolados, no sentido de pôr fim a votação secreta dos parlamentares, estes alegam que o voto secreto por eles exercido nas casas legislativas possui amparo constitucional.
O voto secreto de parlamentares representou por muito tempo uma garantia contra as arbitrariedades cometidas por regimes como o militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.
O caso que envolveu o deputado Márcio Moreira Alves e o fechamento do Congresso e do Senado por ocasião da edição do Ato Institucional n° 5 (o famigerado AI-5), em 13 de dezembro de 1968, demonstram a importância de garantias aos parlamentares.
Entretanto, com o advento do Estado Democrático de Direito, cabe questionar se o voto secreto dos representantes populares nas casas legislativas ainda assiste razão.
Um projeto pelo fim da votação secreta dos representantes populares nas casas legislativas já foi proposto pelo então deputado federal Luiz Antônio Fleury, com vistas a alterar os artigos 52, 53, 56 e 66 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo a referida PEC recebido o número 349/2001.
O projeto em tela andou em várias comissões antes de parar em alguma gaveta, arquivado, provavelmente por não atender aos interesses dos representantes do povo brasileiro.
Não tenho qualquer temor em afirmar que a manutenção da votação secreta dos representantes populares nas casas legislativas é inconstitucional, pelos seguintes fundamentos de direito:
1) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 14, prevê que” a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)”.
O artigo 14 da Carta Magna se refere ao voto popular e aos mecanismos de decisão popular direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei.
O voto ali referido se refere ao “voto cidadão” e não ao “voto mandato”, ou seja, aquela manifestação que cada cidadão brasileiro possui como um direito fundamental, garantido constitucionalmente e protegido por instrumentos judiciais próprios.
Quando um parlamentar participa de uma votação em uma das casas legislativas federais, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, na verdade está manifestando (ou deveria manifestar) a vontade daqueles cidadãos que o nomearam como representante. Não se trata, portanto, de um voto pessoal do parlamentar, mas de uma manifestação popular a que ele representa. Daí o termo “voto mandato”.
2) Estabelece o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que:
“Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
Vê-se que pelo verbo “obedecerá”, trata-se de uma imposição e não uma faculdade (facultas agendi), de forma que todos aquelas pessoas envolvidas nos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e por analogia, os representantes populares nas casas legislativas estão obrigadas aos princípios ali descritos. Não se trata, pois, de um “querer”, mas de um “dever de obediência”.
Os princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constituem uma das marcas indeléveis do Estado Democrático de Direito e a violação de qualquer um deles representa uma ameaça a própria democracia brasileira.
Aquele voto que cada cidadão brasileiro deixa na urna eletrônica ou em cédula de papel nos períodos de eleição há de ser sempre direto, secreto e com igual valor em relação aos demais votos, enquanto condição sine qua non para a nossa ordem democrática.
Todavia, ao contrário do voto exercido por cada cidadão em época oportuna, o voto do parlamenta deve ser transparente, uma vez considerados os princípios estabelecidos pelo artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, valendo lembrar, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Há muitos Projetos de Emendas a Constituição Federal (PECs) que parecem ter a máxima urgência, merecendo a atenção de nossos representantes populares nas casas legislativas, nos três planos – União, Estados e Distrito Federal e Municípios, sem que outras consideradas como relevantes sequer cheguem a despertar a atenção dos parlamentares ou mesmo a nossa.
No caso do fim da votação secreta dos parlamentares em assuntos que digam respeito aos nossos interesses (refiro-me aqui aos interesses de nós cidadãos), parece que tal proposta não tem despertado interesse de instituições oficiais como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre tantas outras, e mesmo de organizações não-governamentais que tenham como objeto a defesa da democracia e o combate a corrupção.
Confesso que desconheço os motivos, mas me pergunto se o silêncio das instituições acima mencionadas e de todos nós cidadãos tem ocorrido pela ausência de qualquer pretensão com relação ao tema ou pelo fato de ninguém querer se arriscar, colocando assim a cara a tapa.
Ou será que pensamos o seguinte: “bom, não vou falar no assunto, pois amanhã poderei ser um deles (um dos parlamentares)”.
Seria ingenuidade afirmar que o fim da votação secreta dos representantes populares serviria para solucionar todas as mazelas e para pôr um fim em jogos inescrupulosos envolvendo interesses públicos nas casas legislativas. Mas, a referida medida faria alguma diferença, já que nossos ilustres representantes seriam obrigados a assumir seus respectivos posicionamentos ou, como se diz no popular, “mostrar as caras”. Afinal, a democracia brasileira contemporânea pressupõe isso.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

ONDE RESIDE O CONFLITO ISRAEL X PALESTINA?


Nestes últimos dias, tenho ouvido e visto muitas coisas ditas e projetadas sobre o conflito entre israelenses, de um lado, e palestinos e árabes, de outro.
Os noticiários da televisão dão conta da invasão do território de Gaza, dos ataques das tropas israelenses, do massacre de civis palestinos, inclusive crianças, e da troca de mísseis entre o Estado de Israel e radicais palestinos do Hamas, ferindo e matando pessoas de ambos os lados.
Percebo um número crescente de pessoas aqui no Brasil, há milhares de quilômetros do conflito, que, comovidas pelos fatos no Oriente Médio, chegam a se manifestar especialmente a favor do povo palestino e contra o Estado de Israel, ou vice-versa. Mensagens na internet, nas comunidades do Orkut, em camisas e em cartazes são algumas dessas manifestações. Já recebi e vi manifestações do tipo “A Palestina para os Palestinos”, “Fora Israel”, “Shimon Peres Assassino”, “Guerra aos Terroristas do Hamas”, etc.
Outro dia, ao caminhar pelo calçadão no nobre bairro de Ipanema, me deparei com um jovem com uma camisa alusiva ao Hezbollah, a quem o Governo israelense chama de terrorista.
Ao ver aquele jovem com aquela camisa, logo fui tomado por um sentimento de surpresa. Afinal, mal poderia esperar um jovem de classe média (talvez até classe média-alta; se é que ainda se pode usar este termo para definir status socioeconômico), de pele clara, andando em plena luz do sol do Rio de Janeiro, trajando aquela camisa do Hezbollah.
Senti vontade de perguntar aquele rapaz se ele sabia o que estava escrito naquela camisa ou de dizer-lhe que ali estava escrito “eu sou gay” (ressalte-se que não sou preconceituoso com relação aos homoafetivos), "estou com a cueca suja", ou coisa parecida, no intuito de instigá-lo.
Também recebi há poucos dias uma mensagem pela internet contando sobre o sentimento antijudeu ou antijudaísmo (o que antes se conhecia como antisemitismo) que vem crescendo no mundo, especialmente na Europa. Naquela mensagem, traduzida para o idioma espanhol, o autor procurava demonstrar como os europeus atribuiriam os males do mundo ao poder econômico e, consequentemente, político dos judeus, com destaque da crítica voltada para os judeus norte-americanos.
Quando vejo todos esses fatos e aquelas manifestações de amor ou ódio por um dos dois lados – israelenses ou palestinos – há um turbilhão de coisas que penso e sobre as quais não posso me silenciar.
A Declaração do Estado de Israel ocorreu em 14 de maio de 1948 como materialização do movimento sionista do século XIX e da esperança de um lar seguro para os judeus de todo o planeta, depois do sofrimento pelas atrocidades cometidas pelos Estados nazifascistas nos campos de concentração e extermínio na Europa, no período 1939-1945. Naquele tempo de sete anos, aproximadamente seis milhões de judeus foram aniquiladas (daí o termo hebraico shoah), naquilo que ficou conhecido como holocausto.
Mas que fique esclarecido que não somente judeus foram vitimizados pelos nazifascistas. Intelectuais, opositores políticos, homoafetivos (ou homossexuais), deficientes físicos e mentais, entre outros, tiveram a oportunidade de sentir na pele (e até pagar com as próprias vidas) as agruras e os sofrimentos nos campos de concentração e extermínio.
Para cada grupo de pessoas existia um símbolo próprio que era preso aos uniformes dos prisioneiros, que pareciam pijamas. Para judeus, triângulos sobrepostos na cor amarela, formando a Estrela de Davi, e, as vezes, com a inscrição Jude; para as Testemunhas de Jeová, triângulos roxos; para descendentes de judeus (filhos, netos, bisnetos ou tataranetos), um triângulo amarelo; para imigrantes ou opositores políticos, um triângulo azul; para ciganos, um triângulo marrom; para homoafetivos (homossexuais), um triângulo rosa; para mulheres antissociais, como lésbicas, alcoólatras e feministas, um triângulo preto; e para os arianos casados com judeus, um triângulo preto sobre outro amarelo. Enfim havia um símbolo para cada tipo de pessoa, o qual, na prática, era um passaporte para a morte, mediante um tiro na nuca, o envio para a câmara de gás ou em decorrência de experiências macabras nas salas dos médicos nazistas.
Após 1945, se por um lado os israelenses viam nos britânicos os principais responsáveis pelos entraves do retorno dos judeus a Terra Prometida, haja vista o não cumprimento por parte destes da Declaração de Balfour, datada de 1917, os palestinos enxergaram a chegada dos judeus como uma ameaça a seu povo.
Logo na ocasião da independência em 1948, os israelenses foram provados pelos ataques empreendidos por egípcios, jordanianos, sírios, iraquianos e libaneses, que possuíam evidente superioridade no número de armas, equipamentos e soldados.
Há quem atribua aos judeus a culpa pela guerra árabe-israelense, como ficou conhecida, considerando-os como invasores e usurpadores das terras da Palestina.
Entretanto, é imprescindível que se façam os seguintes alertas:
- Por várias vezes os judeus habitantes da então Judeia foram vítimas de invasões e privações. Babilônios, assírios, persas, gregos e romanos investiram contra os judeus desde 586 a.C.
- Tanto judeus como não-judeus habitavam a Palestina há muito antes de o Império Romano ter efetivamente dominado aquela terra a partir do ano de 70 a.C. (ou 70 E.C., ou da Era Comum) e após estes últimos terem destruído o Segundo Templo de Salomão e massacrarem cerca de um milhão de judeus, segundo alguns historiadores. Foram os romanos que deram o nome de Palestina em substituição ao nome original de Judeia, numa tentativa de se desfazer de todos os vestígios da presença e cultura judaica na região.
- Com a Revolta de Bar Kochba contra os romanos tendo sido esmagada, em 135 d.C., os judeus foram escravizados e expulsos de suas terras, naquilo que ficou conhecido como “diáspora”.
- Expulsos de suas terras, os judeus seguiram para outras partes do mundo, como a Europa, onde se tornariam vítimas de perseguições e massacres, como aqueles promovidos pelas Inquisições entre os séculos XIV e XVI.
- Durante o século XIX surge o movimento sionista como aspiração dos judeus de retorno a Terra de Israel. Reitere-se que havia uma promessa dos britânicos, responsáveis pela ocupação da Palestina no período de 1919-1948, em auxiliar o retorno dos judeus a região. A Declaração de Balfour (o nome da declaração remete-se ao Secretário para Assuntos Exteriores da Grã-Bretanha, Arthur Balfour), apesar de assinada em 1917, não foi cumprida pelos britânicos, fazendo com que os judeus se dessem conta que estariam por sua própria conta e risco, principalmente com o início das agressões dos árabes, a partir da década de 1920.
- Muitos dos judeus que chegaram a região adquiriram terras diretamente das mãos dos turco-otomanos, por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial, mediante compra.
- Em 29 de novembro de 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas, presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, decidiu promover a divisão da Palestina Britânica em dois estados, um judeu e outro palestino, mediante a Resolução n° 181, de 29 de novembro de 1947. Ao contrário dos judeus, a Liga Árabe (originalmente formado por Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria) recusa tal proposta, deflagrando o conflito que se seguiria.
- Após a Declaração de Independência do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, milhares de judeus de todas as partes do mundo migraram para o recém criado país. Judeus Sefaraditas e Mizrahim (especialmente os sobreviventes de guerras e países árabes) foram recebidos em Israel. Além desses, judeus de origem americana, latina e européia também chearam ao Estado recém criado.
Estes fatos elucidam as responsabilidades de judeus, palestinos e árabes. Se pelo lado dos judeus houve um movimento de limpeza étnica, como alguns historiadores alegam, por parte dos palestinos e árabes, além da recusa da Resolução 181 da ONU, foram efetuadas agressões aos civis judeus da região.
Em sua breve história, o Estado de Israel foi provado por cinco ocasiões (1948, 1956, 1967, 1973 e 1982), com sua existência sob forte ameaça. Também não podem ser esquecidos os massacres de judeus ao redor do mundo, como aquele ocorrido em plena realização dos Jogos Olímpicos em Munique, no ano de 1972, quando integrantes do movimento autodenominado Setembro Negro assassinaram onze atletas israelenses.
O que pretendo trazer a baila aqui certamente não é traçar um perfil dos judeus enquanto pobres coitados. Muito pelo contrário, coloco minha cara a tapa ao assumir que há judeus que não entendem que assim como eles, os palestinos também possuem o direito de ter um Estado independente. Urge a compreensão em alguns grupos de judeus, principalmente nos ortodoxos, como os daquele jovem que matou Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995, que a concepção bíblica de povo escolhido não implica em ser superior ou melhor do que outros povos.
Mas, assim como judeus necessitam perceber seu papel no mundo contemporâneo, valendo-me referir ao ano de 2009 d.C. ou 5769 do calendário hebraico, árabes e palestinos devem fazê-lo. Basta verificar a biografia de Yasser Arafat para perceber como a predisposição de troca do fuzil pelo ramo de oliveira (vide seu discurso na Assembléia das Nações Unidas em 1974) surtiu muito mais efeitos do que explosivos e atentados terroristas. A comunidade internacional parace estar mais sensível aos apelos palestrinos do que antes, em que pese as merecidas críticas a ONU e ao posicionamento norte-americano. Ainda há muito a ser feito.
O aperto de mãos entre Yitzahk Rabin e Yasser Arafat sinalizou, pela primeira vez na história, uma possibilidade de paz entre israelenses e palestinos, especialmente com a realização da Conferência de Madri, em 1991, e do Acordo de Oslo, Noruega, 1993.
O problema é que a Autoridade Palestina não conseguiu fazer valer a sua autoridade, acirrando os conflitos entre os dois principais grupos palestinos – o Fatah e o Hamas. Enquanto o primeiro grupo (criado para atacar Israel mediante atos terroristas, mas, que, com o decorrer do tempo, partiu para o debate político, a exemplo do Sinn Fein, na Irlanda do Norte) se preocupa em construir um Estado palestino soberano e inserido na comunidade internacional (que implica no cumprimento da Resolução 282 das Nações Unidas e de acordos internacionais concernentes ao reconhecimento do Estado de Israel, tendo em vista a Resolução 181 de 1947), o Hamas insiste em querer varrer Israel do mapa, recebendo apoio de países como Síria e Irã.
Da mesma sorte, alguns israelenses, como os colonos localizados em áreas que foram demarcadas como palestinas pelos acordos de paz internacionais, vem dificultando os progressos no processo de pacificação da região.
De fato, fica difícil compreender como uma minoria ortodoxa consegue exercer seus interesses e atravancar o processo de paz na região, em que pese haver uma grande maioria de israelenses disposta a fazer concessões e a cumprir os acordos internacionais em troca de uma paz duradora. Se parlamentares ligados aos partidos Likud e Shas são resistentes ao diálogo com os palestinos e aos árabes, até aí, tudo bem, pela própria natureza destes partidos. Mas, não se pode compreender como um partido que se diz progressista, como o Partido Trabalhista, e que detém a maioria dos acentos no Parlamento (Knesset), não tem se revelado capaz de trazer a paz e a segurança aos israelenses.
Vê-se que o conflito árabe-israelense é muito mais complexo do que se pode imaginar. Sua complexidade decorre de fatores morais, éticos e políticos. Religião e política parecem servir tão somente para travar a efetividade dos acordos de paz internacionais, assinados e ratificados tanto pelo Estado de Israel como pela Autoridade Palestina, se é que ela ainda existe ou possui alguma legitimidade entre o povo palestino.
Ao que tudo indica, os entraves do processo da tão sonhada paz entre israelenses, árabes e palestinos (que é aspiração mundial) tem servido tão somente a alguns grupos interessados em se perpetuar no Poder. E falo isso com base em autores como Hannah Arendt, George Orwell e Raymundo Faoro, entre outros.
Digo categoricamente que não gosto da invasão do território palestino por tropas israelenses, apesar de entender que, as vezes, para que haja a paz, necessário é tomar medidas drásticas (juro que sou pacifista, mas não sou hipócrita), ainda mais quando a população civil é afetada. Mas alguém já ouviu falar em conflito armado em que a população civil sequer sofreu?
Também não acho que as autoridades israelenses gozam de uma inteligência mediana (e olha que estou sendo bonzinho).
Achar que se pode acabar com o problema de aversão ao Estado de Israel com a destruição do Hamas é pura tolice, para não dizer burrice. No lugar do Hamas, surgiriam outros grupos. Afinal, alguém já pensou o que será daquelas crianças órfãs palestinas, das mulheres viúvas e dos irmãos dos mortos? Simples: órfãos ou viúvas = rancor; rancor + pobreza + arma = terrorista com ódio a Israel, judeus e norte-americanos.
Será que os políticos israelenses e norte-americanos já pensaram nisso alguma vez. Está mais do que na hora de tanto Israel como os Estados Unidos repensarem suas políticas externas.
Não sou simpático a quem prega que a manutenção do Estado de Israel deva ser mediante o sacrifício de árabes, palestinos ou qualquer outro povo. Mas, muito menos sou a favor de quem usa uma camisa do Hezbollah, Hamas, com a suática nazista ou adota atitudes preconceituosas e agressivas, inclusive com palavras de ordem ao extermínio de judeus (ou a qualquer outro povo) e ao Estado de Isarel.
Os políticos israelenses, árabes e palestinos deveriam compreender que a manutenção de um Poder legítimo somente é possível quando este atende aos anseios da maioria; e, pelo que se tem sabido, a maioria é a favor da paz.
Ademais, deveriam fazer um estágio de convivência no Brasil, especialmente no complexo comercial localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro conhecido como Saara, onde os senhores Abraão, Samuel, Muhamad e Nacib trabalham há muito tempo próximos uns do outros, e almoçam juntos todas as sextas-feiras.
Aliás, voltando ao Brasil, que diretamente é minha (ou nossa) realidade, vejo que há um bocado de pessoas que se dispõe a falar sobre a invasão israelense em território palestino, como Gaza, sem, no entanto, se propor a estudar a história destes dois povos (devendo lembrar que israelenses e palestinos possuem uma origem comum e por isso ambos são considerados semitas) e complexidade das relações entre eles.
Acho inclusive que nós brasileiros poderíamos dar um exemplo prático de tolerância e diálogo aos israelenses, árabes e palestinos, principalmente aos fundamentalistas.
Mas, para tanto, precisamos fazer uma autorreflexão. Afinal, também somos intolerantes, fundamentalistas e, o que é pior, indiferentes as nossas injustiças sociais. Somos insensíveis a pobreza alheia, indiferentes a corrupção que nos assola há séculos e a violência que se abate sobre outras pessoas que não são do nosso círculo de amizade e parentesco. Basta lembrar como um jure popular consegue ter a sua consciência tranquila para inocentar um policial (representante na força estatal, cujo dever seria garantir a nossa segurança) que mata um menino por achar que o carro em que ele se encontrava com a família pertenceria a bandidos (ao que parece, na dúvida, o negócio é atirar, né?).
Isso sem esquecer o nosso racismo.
Certa vez, um colega meu negro ou afrodescendente (como os politicamente corretos fazem questão de grifar) me disse: “Cara, quando você está de terno é um advogado. Eu, quando estou de terno, ou sou motorista ou sou segurança”.
Também vigora ente nós a crença de que os judeus não são confiáveis e/ou pretendem dominar o mundo (a exemplo da alegação dos nazistas para assassinar cerca de seis milhões de pessoas).
Parece que vai tudo bem quando um grupo de pessoas se reúne. Conversa vai, conversa vem, até que alguém se declara judeu. Pronto, parece que o tempo fica cinza.
E quando alguém é apresentado a outras pessoas. “Bom gente, este é meu amigo Fulano de Tal. Ele é um advogado judeu”.
Por acaso já viram alguém ser apresentado assim? “Gente, esse é meu amigo Fulano de Tal. Ele é um advogado católico”.
E quando não vem aquela visão caricata das publicações do século XIX ou início do XX, de que todo judeu tem que ter pele clara e “aquele nariz”. Quando ficam sabendo que sou judeu, logo dizem: “Nossa, você é judeu?! Nem tem cara”.
E a associação de que todo judeu é rico. Em tempos de extorsão mediante seqüestro, fica até perigoso tal associação.
E os árabes? Quase sempre são vistos como terroristas em potencial ou são alvos de piadas neste sentido. Há uma conexão impulsiva no sentido de associar Árabe + Al Corão = Terrorismo.
Lembrando daquele jovem que trajava uma camisa do Hezbollah, fico me perguntando se ele também não usa uma camisa com uma imagem de uma favela ou periferia, com inscrições do tipo “Dignidade para os moradores das favelas!”, “Por um Brasil solidário e menos violento!” ou “Abaixo a corrupção!”.
Será que ele paga uma refeição quando um menino na rua (pois não existe menino de rua, e sim menino na rua) diz: “tio, tô com fome, paga uma comida pra mim?”. Será que ele levanta correndo o vidro do carro quando um daqueles malabaristas de sinal de trânsito vem pedir uns míseros trocados? Será que ele fica indignado quando presencia ou ouve algo sobre violência contra uma mulher? Será que ele toma alguma atitude quando sabe que há um caso de corrupção?”
Enfim, pensamos na paz universal, mas não somos capazes de refletir e adotar atitudes para uma paz entre nós brasileiros. As vezes fazemos questão de nos afirmar como universais e globais (refiro-me aqui a globalização), mas não passamos de radicais ignorantes provincianos. Vemos o mundo e as pessoas numa dicotomia que parece eterna como o conflito entre israelenses e palestinos - negro e branco; rico e pobre, heterossexual e homossexual; belo e feio; etc. Vemos ainda os argentinos (nossos vizinhos) como eternos inimigos, olhamos os imigrantes nordestinos como parte "daquela orda que só serve para trazer subsedenvolvimento", tratamos os turistas estrangeiros como "otários".
Conhecimento dos fatos, sabedoria, tolerância, respeito ao diferente, solidariedade e a vontade de mudar o mundo a partir de nós mesmos podem ser ferramentas para o começo de uma paz aqui e acolá.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

OITO METAS PARA FAZER A DIFERENÇA

Neste dia 10 de dezembro de 2008, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, também conhecida como carta das Nações Unidas (ONU), completa 60 anos.
O referido documento é um marco no reconhecimento dos direitos inerentes à pessoa humana, após anos de atrocidades, sobretudo, como aquelas verificadas nos campos de concentração e extermínio da Europa nazi-fascista, por ocasião das explosões das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, e pela morte de milhões de civis em várias partes da Terra, entre os anos de 1936 e 1945.
A Organização das Nações unidas (ONU) surgiu após a Segunda Guerra Mundial como uma esperança de uma alternativa viável da fracassada Liga das Nações, estabelecida ao final do conflito mundial de 1914-1919.
Avanços ocorreram no cenário internacional, mas há o reconhecimento que existe muito a ser realizado, com vistas a garantir a efetividade da primazia da pesoa humana. Afinal, há um processo de degradação ambiental, em nível global, crianças morrem de diarréia e fome, mulheres continuam sendo vítimas de discriminação e agressões, a AIDS/SIDA permanece com uma doença em avanço (mesmo diante dos programas de preservação), a educação básica ainda continua a ser um desafio, entre outras questões que ainda vigem.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu oito metas para o milênio. estas metas tratam de congregar temas como gênero, proteção ao meio ambiente, busca pelo desenvolvimento, combate à fome, à pobreza, às doenças e à mortalidade infantil.
A pergunta que fica no ar é a seguinte: conseguiremos cumpri-las?

AS PALAVRAS DE "MARCITO"


A situação já andava pesada no Brasil havia quatro anos. O golpe militar de 1964 marcou o início de um período de "chumbo" no país e servio de "escolinha" para os regimes autoritários que se seguiriam pela América do Sul, como ocorreu no Chile, na Argentina, no Uruguai, na Bolívia e no Paraguai.
No dia 30 de agosto de 1968, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi fechada e a Universidade de Brasíilia (UNB) foi invadida pela Polícia Militar, que espancou vários estudantes.
Considerando a gravidade dos dois acontecimentos, no dia 02 de setembro daquele ano, o então Deputado Márcio Moreira Alves, o "Marcito", como era carinhosamente chamado, fez um discurso propondo um boicote por parte da população às comemorações do Dia da Independência (07/09), crticando, inclusive, os militares.
O discurso do deputado Márcio Moreira Alves, proferido no dia 02 de setembro de 1968, segue abaixo:

"Creio haver chegado, após os acontecimentos de Brasília, o grande momento da união pela democracia. Este é também o momento do boicote. As mães brasileiras já se manifestaram. Todas as classes sociais clamam por esse repúdio à violência.
No entanto, isso não basta. É preciso que se estabeleça, sobretudo por parte das mulheres, como já começou a se estabelecer nesta Casa por parte das mulheres parlamentares da Arena, o boicote ao militarismo. Vem aí o Sete de Setembro. As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem juntos com os algozes dos estudantes. Seria necesário que cada pai e cada mãe se compenetrasse de que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile.
Esse boicote pode passar também às moças, aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje no Brasil com que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa aqueles que vilependiam a Nação. Recusassem a aceitar aqueles que sillenciam e, portanto, se acumpliciam"

AI-5



Muita gente se refere ao Ato Institucional n° 5, ou AI-5, como ficou conhecido, o qual, de fato, significou a consolidação da arbitrariedade do governo militar que havia se instalado no Brasil, a partir do ano de 1964.
Não bastassem as violações aos direitos humanos fundamentais no país, o então presidente Costa e Silva editou o AI-5, no dia 13 de dezembro de 1968, após dois discursos do deputado Márcio Moreira Alves e a recusa do Congresso Nacional em cassar o mandato deste, a pedido dos ministros militares.
Abaixo, segue a íntegra do Ato Institucional n° 5, para que possamos tê-lo em mente e lutarmos para que tal arbitrariedade nunca mais se repita.




O PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e

CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, “os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria” (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964);
CONSIDERANDO que o Governo da República, responsável pela execução daqueles objetivos e pela ordem e segurança internas, não só não pode permitir que pessoas ou grupos anti-revolucionários contra ela trabalhem, tramem ou ajam, sob pena de estar faltando a compromissos que assumiu com o povo brasileiro, bem como porque o Poder Revolucionário, ao editar o Ato Institucional nº 2, afirmou, categoricamente, que “não se disse que a Resolução foi, mas que é e continuará” e, portanto, o processo revolucionário em desenvolvimento não pode ser detido;
CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar “a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução”, deveria “assegurar a continuidade da obra revolucionária” (Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966);
CONSIDERANDO, no entanto, que atos nitidamente subversivos, oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais, comprovam que os instrumentos jurídicos, que a Revolução vitoriosa outorgou à Nação para sua defesa, desenvolvimento e bem-estar de seu povo, estão servindo de meios para combatê-la e destruí-la;
CONSIDERANDO que, assim, se torna imperiosa a adoção de medidas que impeçam sejam frustrados os ideais superiores da Revolução, preservando a ordem, a segurança, a tranqüilidade, o desenvolvimento econômico e cultural e a harmonia política e social do País comprometidos por processos subversivos e de guerra revolucionária;
CONSIDERANDO que todos esses fatos perturbadores, da ordem são contrários aos ideais e à consolidação do Movimento de março de 1964, obrigando os que por ele se responsabilizaram e juraram defendê-lo, a adotarem as providências necessárias, que evitem sua destruição,
Resolve editar o seguinte
ATO INSTITUCIONAL
Art 1º - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.
Art 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios.
§ 2º - Durante o período de recesso, os Senadores, os Deputados federais, estaduais e os Vereadores só perceberão a parte fixa de seus subsídios.
§ 3º - Em caso de recesso da Câmara Municipal, a fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios que não possuam Tribunal de Contas, será exercida pelo do respectivo Estado, estendendo sua ação às funções de auditoria, julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos.
Art 3º - O Presidente da República, no interesse nacional, poderá decretar a intervenção nos Estados e Municípios, sem as limitações previstas na Constituição.
Parágrafo único - Os interventores nos Estados e Municípios serão nomeados pelo Presidente da República e exercerão todas as funções e atribuições que caibam, respectivamente, aos Governadores ou Prefeitos, e gozarão das prerrogativas, vencimentos e vantagens fixados em lei.
Art 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;
II - suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;
III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política;
IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada;
b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado,
§ 1º - o ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativamente ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privados.
§ 2º - As medidas de segurança de que trata o item IV deste artigo serão aplicadas pelo Ministro de Estado da Justiça, defesa a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário.
Art 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
§ 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço.
§ 2º - O disposto neste artigo e seu § 1º aplica-se, também, nos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
Art 7º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição, poderá decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo.
Art 8º - O Presidente da República poderá, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tenham enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Parágrafo único - Provada a legitimidade da aquisição dos bens, far-se-á sua restituição.
Art 9º - O Presidente da República poderá baixar Atos Complementares para a execução deste Ato Institucional, bem como adotar, se necessário à defesa da Revolução, as medidas previstas nas alíneas d e e do § 2º do art. 152 da Constituição.
Art 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Art 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.
Art 12 - O presente Ato Institucional entra em vigor nesta data, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
Augusto Hamann Rademaker Grünewald
Aurélio de Lyra Tavares
José de Magalhães Pinto
Antônio Delfim Netto
Mário David Andreazza
Ivo Arzua Pereira
Tarso Dutra
Jarbas G. Passarinho
Márcio de Souza e Mello
Leonel Miranda
José Costa Cavalcanti
Edmundo de Macedo Soares
Hélio Beltrão
Afonso A. Lima
Carlos F. de Simas

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

VOZES

Após alguns acontecimentos, em especial nestas últimas décadas, como a eleição de Barak Obama para a presidência dos Estados Unidos, no dia 5 de novembro de 2008, me convenço que 1968 foi o ano que não terminou, se me permitem parafrasear a expressão de Zuenir Ventura.
O ano de 1968 foi um ano marcante para a história mundial, a sua agitação nas esferas política e social.
O ano já começou com a Primavera de Praga, um levante tcheco contra a denominada Cortina de Ferro, pacto político-militar sob a liderança da então União Soviética (URSS). O referido movimento se iniciou em janeiro de 1968 com a eleição de Alexander Dubček, tendo sido sufocado em agosto daquele mesmo ano.
Em abril de 1968, assistimos o assassinato de Martin Luther King, um dos líderes do movimento negro (ou afro-americano, ou afro-descendente, sei lá) na luta pela afirmação dos chamados Direitos Civis, que somente seriam reconhecidos por uma lei assinada pelo então Presidente Lyndon Johnson, após a morte do reverendo que “tinha um sonho” (“I have a dream...”, ele já havia pronunciado).
Naquele mesmo mês, o mundo veria com olhos bem arregalados o filme 2001: uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick, que colocou na mente dos espectadores uma incógnita acerca do futuro.
Paris amanheceu no dia 2 com o Mai 1968, um movimento iniciado por estudantes de Sorbonne e Nanterre contra o status quo, mas logo seguidos por funcionários públicos, operários, bancários, ambientalistas, feministas, entre outros seguimentos.
“Sejam realistas, exijam o impossível” constituiu um dos lemas de um tempo que se protestava contra a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã, a pobreza, o capitalismo, a opressão, o autoritarismo, etc.
Em 25 de julho, o Papa Paulo VI publicou a encíclica Humanae Vitae, que condenava o uso de anticoncepcionais, importando aqui registrar que tal publicação ia de encontro aos anseios das mulheres por igualdade de direitos em relação aos homens, como direito ao trabalho, remuneração paritária ao sexo masculino, e, destacadamente, a autonomia nas questões sexuais, inclusive a contracepção.
No dia 26 de julho de 1968, ocorreu a Passeata dos Cem Mil, como mais tarde ficou conhecida, num contexto de ditadura militar, cuja característica altamente repressiva já se havia visto na morte do estudante Edson Luis de Lima Souto, de 16 anos de idade, executado por um policial militar com um tiro no peito, no restaurante do Calabouço, no Rio de Janeiro.
O movimento contou com a participação de estudantes, artistas, intelectuais, políticos, advogados, entre outros. Significou a voz da sociedade contra o autoritarismo e a truculência.
Dias depois o referido evento, o deputado Márcio Moreira Alves proferiu um discurso criticando os militares que se encontravam no Poder, desde o golpe à democracia em 1964. Este fato despertou a indignação dos militares, culminando com a edição, em 13 de dezembro de 1968, do Ato Institucional n° 5, pelo então presidente Costa e Silva, em represália a não-cassação do mandato do mencionado deputado pelo Congresso Nacional
Na prática, o AI-5, como ficou conhecido, fechava o Congresso Nacional, cassava mandatos e direitos políticos, estabelecia a censura prévia sobre os meios de comunicação e sobre obras cênicas, cinematográficas, literárias e musicais, além de suspender o habeas corpus, o que consolidando o começo de um dos períodos mais nefastos da história nacional – os Anos de Chumbo.
O ano de 1968 se encerraria com os Estados Unidos da América numa posição delicada na Guerra do Vietnã, sobretudo após a Ofensiva Tet (ataque a parte sul do país no ano novo vietnamita), a invasão da Embaixada por vietcongs (simpatizantes do governo comunista do Vietnã do Norte) e o massacre da população civil no vilarejo de My Lai. A opinião pública e os movimentos estudantis trataram de sinalizar a reprovação da permanência das tropas norte-americanas no conflito no sudeste asiático.
Vivíamos a Era de Aquários, assistindo Yellow Submarine da banda inglesa The Beatles, ouvindo Lucy and the Sky with Diamonds (basta perceber a abreviatura LSD para saber do que se trata), Let’s get together, do The Youngbloods, e É proibido proibir, do Caetano Veloso.
Passados quarenta anos, estamos à beira do encerramento de mais um ano, cujas repercussões de 1968 ainda podem ser sentidas.
Os Estados Unidos da América e o Mundo amanheceram no dia 5 de novembro de 2008 com o primeiro presidente negro (ou afro-americano, ou afro-descendente) da história daquele país, portanto, quarenta anos depois do assassinato de Martin Luther King, na cidade de Memphis, Tenneessee.
Desde a primeira exibição nos cinemas de 2001: uma odisséia no espaço, especialmente a partir da (neo) globalização iniciada no final da década de 1970, e muito sentida nos dias atuais, o mundo se agita, dada a velocidade e volatilidade de conceitos e paradigmas típicos de uma sociedade em rede (conforme expressão utilizada por Manuel Castells). A tecnologia da informação “move muito rápido o chão bem embaixo de nossos pés”, provocando um sentimento coletivo de insegurança: “de onde viemos, onde estamos, para onde vamos?”
As mulheres ainda continuam a busca de seu legítimo espaço na sociedade, mas agora imbuídas de uma concentração estafante, verificada pelo papel simultâneo de mãe, esposa, dona de casa e profissional. Nesta era de qualidade total, a integridade física e moral, contracepção, dignidade na vida provada e no trabalho ainda constituem pauta do sexo feminino.
Se antes a Igreja se manifestava contrária à contracepção, quarenta anos depois critica a utilização de células embrionárias, ou células-tronco, o que para muitos significa a esperança de prevenção, reabilitação e cura de doenças e limitações físicas.
Um assunto tão polêmico que forçou o Superior Tribunal de Justiça (STF), a Suprema Corte nacional, a promover um debate público e a julgar a constitucionalidade ou não da utilização das células aqui mencionadas, cujo relator foi o Ministro Carlos Ayres de Brito.
O Brasil caminha para o final do segundo mandato do primeiro Presidente da República proletário de sua história. Sem que se faça qualquer comentário sobre as conquistas e os prováveis retrocessos de Luís Inácio Lula da Silva enquanto Presidente da República, neste momento merece ênfase o simbolismo que a chegada de um Presidente “popular” exerceu e ainda exerce sobre a nação.
Da mesma sorte, a América Latina, especialmente em países como Bolívia e Venezuela, parece haver a liberação das “vozes emudecidas a partir da década de 1960”. Sem entrar no mérito se os governos de tais países seriam benéficos ou não, cabe assinalar a crítica ao (neo) colonialismo e às intervenções estrangeiras em assuntos externos. A Revolução Cubana de 1959 permanece como fonte inspiradora, mesmo que o governo cubano seja considerado por muitos como um “esqueleto”, dadas as crises conjunturais da ilha caribenha e as modificações sofridas pelo regime. Tratar-se-iam, pois, de movimentos pela afirmação do direito á soberania nacional e à autodeterminação.
Em agosto de 2008, tropas russas invadiram a República da Geórgia, devido à questões envolvendo a província da Ossétia do Sul, fazendo-nos lembrar da invasão das tropas do chamado Pacto de Varsóvia, lideradas pela União Soviética (URSS), na Tchecoslováquia, em agosto de 1968.
Durante as eleições realizadas para o cargo de Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Fernando Gabeira, ex-integrante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (o MR-8, como ficou conhecido), e candidato pela coligação PV, PSDB e PPS, denominada Frente Carioca, chegou ao segundo turno com um número expressivo de votos em várias partes do município. Perdeu a eleição no segundo turno para o candidato Eduardo Paes, do PMDB, por uma margem inferior a dois por centos de diferença.
O mais surpreendente é que Fernando Gabeira optou por aquilo que se chamou de campanha limpa, ou seja, não utilizou anúncios publicitários como cartazes (banners e outdoors), nem panfletos (“santinhos”), preservando a cidade livre da poluição ambiental e visual. Entretanto, sua candidatura, ao que comentam, sinaliza o início de uma nova era na política nacional.
No final de outubro de 2008, mobilizados basicamente pela rede mundial de computadores (internet) milhares de pessoas (em sua grande maioria, jovens estudantes) organizaram e realizaram um movimento no centro da cidade do Rio de Janeiro, com concentração na Cinelândia e uma passeata até a sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), na Avenida Churchill, erguendo suas vozes em protesto ao que chamaram de “falta de ética e transparência no processo eleitoral e violação da democracia”.
Um negro Presidente dos Estados Unidos da América, um Presidente da República proletário no Brasil, movimentos nacionalistas na América Latina, tropas russas invadem uma República independente, mulheres em casa e nas ruas, estudantes nas ruas e um ex-revolucionário quase Prefeito da cidade do Rio de Janeiro. As vozes de 1968 ainda parecem ecoar pelo planeta, inclusive no Brasil, mesmo decorridos quarenta anos. Será que alguém consegue ouvi-las?

Foto da Passeata dos Cem Mil de Evandro Teixeira.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

UN HERMANO EN NUESTRA CASA



A história abaixo possui fatos reais e outros fictícios. Entretanto, esta mesma história tem como objetivo narrar fatos reais e dramáticos, a partir de algumas experiências pessoas do autor.
Tendo como pano de fundo a Copa do Mundo de Futebol na Argentina, no ano de 1978, esta história mostra como há coisas que o tempo não apaga. Amor, cumplicidade e tolerância são algumas delas.


Foi no final de maio de 1978 que um primo meu chegou da Argentina em nossa casa. Segundo minha mãe, veio passar um tempo com a gente.
Confesso que não sabia que a gente tinha parentes naquele país. Mas, aos poucos, mais histórias de minha família seriam contadas por minha mãe.
Descobri que a minha família, por parte de pai, era uma verdadeira salada de frutas. Tinha poloneses, norte-americanos e até argentinos. E a tal salada de frutas ficava ainda mais rica com a colaboração do lado de minha mãe, cuja família tinha franceses, portugueses e, é claro, o bom sangue brasileiro.
Vivíamos o período da chamada ditadura militar. Mas, como eu era um simples garoto, não sabia direito os efeitos do citado regime político.
Estávamos à beira de uma Copa do Mundo de futebol. E a Argentina seria a sede da competição de 1978.
Então, o que é que aquele meu primo argentino estava fazendo lá em casa? Ele não deveria estar assistindo a Copa do Mundo ao vivo, como tantos outros Argentinos? Por que deixar o país justamente no momento em que todos queriam estar lá?
Meu irmão, que era mais velho do que eu quase uma década e altamente politizado, me explicou que as coisas não estavam bem na Argentina. Por aqui no Brasil, a ditadura já dava seus sinais de fadiga, mas, por lá, o “pau ainda tava cantando”.
Ouvi atentamente as palavras de meu irmão, mas não me importei tanto com a situação, mesmo porque eu era apenas um garoto, mais interessado em assistir a Copa do Mundo, jogar futebol de botão ou futebol de tampinhas. É que uma empresa de refrigerantes havia lançado uma coleção de tampinhas com as caras e os nomes dos jogadores das seleções participante da Copa do Mundo de 1978. A gente amassava um pedacinho de papel, fazendo uma bolinha, e a “chutava” com os dedos, com um jogador passando para o outro. Os gols eram feitos com caixas de fósforo. Era uma febre entre a garotada!
Cheguei a jogar futebol de tampinhas com aquele meu primo. Não posso esquecer o Mário Kempes. Afinal, a Argentina do meu primo venceu o meu Brasil, de Leão, Oscar, Nelinho, Cerezo, Rivelino Zico, Dirceu e Reinaldo.
Mas, o que eu não sabia é que a Copa seria a competição do tal Mário Kempes.
Da primeira fase da Copa do Mundo, me lembro muito pouco. A não ser daquele juiz maluco que terminou a partida do Brasil contra a Suécia, antes do Zico botar a bola pra dentro do gol sueco. O escanteio foi cobrado para o Brasil e, justamente quando comemorávamos, o tal juiz anulou o gol, dizendo que partida havia sido encerrada antes da cabeçada de Zico.
Tem gente que diz que roubalheira contra o Brasil naquela Copa do Mundo havia começado naquele lance.
Meu primo era um cara legal. E à medida que íamos convivendo, tive a oportunidade de ir aprendendo a falar espanhol, ou castellano, que se diz na Argentina.
Ele jogava futebol de botão e de tampinha comigo, conversávamos, íamos à praia juntos, mas ele se dava melhor ainda com meu irmão. Eles eram quase da mesma idade. Eles iam juntos às festinhas, às discotecas (na época, era assim que se chamavam), aos bares, etc.
A estadia de meu primo lá em casa também me serviu para que eu conhecesse cada vez mais a diversidade cultural. Meu primo e meu irmão ouviam desde rock até disco, passando pela MPB. Uma hora tocava uma música do Led Zeppelin, em outra, do Caetano Veloso, até chegar em “shake your booty”, do KC & The Sunshine Band.
E as festas lá em casa? Lembro de uma vez que meu irmão colocou umas sessenta pessoas num espaço que mal cabiam vinte! Foi uma loucura.
Tomei um porre daqueles, após fazer uma espécie de alquimia com as bebidas que encontrava pela frente. Acabei ficando “alegrinho” e pra dormir...
A Copa do Mundo de 1978 começou e as atenções de voltaram para o desempenho da seleção brasileira na competição. Mas lá em casa, além do Brasil, a equipe argentina também era motivo de torcida.
Minha mãe, com aquele jeito “mãezona” de ser, logo abraçou a causa do meu primo. Dizia ela que, tínhamos família na Argentina e, por isso, quando o Brasil não estivesse jogando, deveríamos torcer pelos hermanos.
Aquilo soou muito estranho para mim. Imagine: os argentinos sempre foram nossos “inimigos”, principalmente dentro das quatro linhas. Só de pensar em comemorar um gol argentino, me causava uma sensação estranha. E sair de casa com uma camisa da equipe alvi-celeste, nem pensar! Eu tinha medo até de apanhar na rua.
Brasil e Argentina se classificaram em seus respectivos grupos, chegando à segunda fase da Copa do Mundo. O negócio é que ambas as seleções caíram no mesmo grupo na segunda fase.
Naquele tempo, não havia partidas semifinais, como conhecemos hoje. As seleções mais bem colocadas na primeira fase da Copa se dividiam em dois grupos, com quatro equipes cada. Os primeiros colocados de cada grupo faziam a Final, enquanto os segundos melhores colocados disputavam o terceiro lugar.
Numa noite de junho, Brasil e Argentina se enfrentaram. Lá em casa, a torcida estava dividida, com uma perceptível desvantagem para meu primo. Éramos três contra um. Mas o clima de fair play ficou claro, ainda mais pelo fato do jogo haver terminado zero a zero. A classificação do Brasil ou da Argentina para a partida final da Copa do Mundo somente se saberia nas partidas seguintes. Na última rodada, o Brasil enfrentaria a Polônia, enquanto que a Argentina teria o Peru pela frente.
O Brasil venceu a Polônia por 3 x1, numa partida realizada a tarde. Dávamos como certa a classificação da seleção nacional para a Final, contra o primeiro lugar do outro grupo, que tinha Alemanha Ocidental, Áustria, Holanda e Itália.
Pra se ter uma idéia da legitimidade de nossa confiança, a Argentina precisaria vencer a seleção peruana por um placar de, no mínimo, cinco gols de diferença, se quisesse disputar a Final. Ora, nas nossas cabeças isso era impossível!
Pois bem, a partida entre Argentina e Peru chegou ao fim, com os hermanos vencendo pelo placar de 6 x 0. Era realmente inacreditável. A seleção peruana era não era ruim; prova iddso era que havia feito uma boa primeira fase da Copa, se classificando em primeiro lugar em seu grupo. Tudo bem que havia perdido as duas partidas anteriores válidas pela segunda fase, para a Polônia e o Brasil. Mas, daí perder de seis a zero para a Argentina... Aí, são outros quinhentos.
Muita gente disse (e continua dizendo até hoje) que a seleção peruana foi subornada. Mas meu primo, apesar da alegria pela classificação de seu país para a partida final da Copa do Mundo, tinha outra versão para a história.
De acordo com meu primo, havia duas coisas que não poderíamos deixar de lado:
Uma delas se referia ao fato de que nenhum jogador peruano poderia regressar ao seu país com a “cara limpa”. Imagine perder uma partida de Copa do Mundo por uma goleada histórica como aquela. Ademais, meu primo tinha ciência que os argentinos não gozavam, já naquela época, de um prestígio junto aos outros povos. Ele havia viajado por países como Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. E se lembrava perfeitamente como havia sido “bem tratado” nestes países.
Portanto, ainda acordo com ele, não haveria suborno que colocaria a honra dos peruanos em segundo plano.
Outro fato que ele fazia questão de dizer era que a ditadura militar era “carniceira”. Eles fariam qualquer coisa para que a Argentina vencesse aquela Copa do Mundo. A imagem do regime militar naquele país, a exemplo do que ocorreu com o Brasil em 1970, dependia do sucesso da equipe nacional na competição mundial de futebol.
Durante a Copa do Mundo, houve uma espécie de trégua entre os militares que ocupavam o Poder na Argentina e os grupos de resistência. O evento esportivo foi tão bom para o governo (e por que não dizer também para as organizações para-militares) que, graças àquele, muitos resistentes foram presos e “desaparecidos”, em pleno período de trégua.
O Brasil venceu a Itália, na partida válida pelo terceiro lugar da Copa, com um golaço do lateral Nelinho, em que a bola fez uma curva incrível, batendo o goleiro da azzurra Dino Zoff. Comemoramos como se fosse a vitória que garantia o título mundial de futebol daquele ano, enquanto os jogadores da seleção canarinho davam uma volta olímpica pelo gramado, considerando-se “campeões morais”.
Dias depois, chegava a hora da grande Final entre a Argentina, dona da casa, e a Holanda, seleção que havia encantado o mundo com o “carrossel” ou a “laranja mecânica” de quatro anos antes, na Copa do Mundo na Alemanha.
A seleção holandesa não tinha Cruyff, seu grande craque. O gênio da camisa 14 da equipe laranja se recusou a participar da Copa do Mundo em boicote ao regime militar que ocupava o Poder na Argentina. E ele foi acompanhado por outros atletas, como o alemão Paul Breitner.
Percebi que meu primo concentrava um misto de alegria e tristeza. Sentia alegria por que era a chance de ver a seleção de seu país campeã do Mundo pela primeira vez. Mas, ao mesmo tempo, estava triste, pois sentia saudades da família e dos amigos que por lá ficaram.
A partida começou, e meu primo estava a ponto de comer os dedos. Argentina e Holanda fizeram uma partida muito disputada.
Quando Kempes abriu o marcador ainda no segundo tempo, o estádio Monumental de Nuñes, em Buenos Aires, quase veio abaixo. E meu primo enlouqueceu. Pulava e cantava feito doido.
Eu olhava aquela cena com espanto. Meu primo pulando feito maluco, a pipoca caindo pelo chão e o refrigerante em sua mão idem.
O estranho é que eu também fiquei meio louco ou, pelo menos, ansioso. Nem lembro quantas balas soft (aquelas coloridas, sabor de fruitas, duras pacas) quebrei nos dentes.
E quando a Holanda empatou o jogo, no segundo tempo, o referido estádio ficou em silêncio, assim como meu primo, ali no meio da sala, com a cabeça no chão, bem em frente à televisão (assistimos a maioria dos jogos da Copa do Mundo em uma televisão em preto e branco, mas as finais numa televisão colorida que ganhamos de presente de meu avô, um militar aposentado).
Notei que a vizinhança e as pessoas na rua torciam pela equipe de camisa laranja. Mas nós, lá em casa, torcíamos pela Argentina. Até eu, que antes tinha resistência, acabei me rendendo aos “inimigos”.
Quase no final do segundo tempo, um jogador holandês, que não lembro o nome, chutou a bola na trave de Fillol, o goleiro argentino. Meu primo gelou.
No intervalo entre o tempo regulamentar e a prorrogação tratamos de ir ao banheiro, caminhar pela casa, com vistas a diminuir a ansiedade, e fazer outras coisas.
O tempo extra começou e o estado de ansiedade voltou.
Mas ele, o artilheiro Mário Kempes, estava lá para marcar o segundo gol da Argentina. Será que seria o gol do título? A dúvida foi dissipada quando Bertoni marcou para a Argentina no final da prorrogação.
O juiz apitou o fim da partida e a gente podia ver a torcida no Estádio Monumental de Nuñes louca, comemorando o título inédito.
Mas há uma cena que não sai da minha cabeça até os dias de hoje. Vi o goleiro Fillol abraçado ao zagueiro Tarantini, ambos ajoelhados e chorando. E a mesma cena se repetia ali, bem em frente à televisão, na minha cara, com meu irmão e meu primo, chorando, feito duas crianças, ajoelhados e abraçados, como o goleiro e o zagueiro argentinos.
Confesso que não fiquei imune àquela cena. De meus olhos também corriam lágrimas.
Quando o capitão argentino Daniel Passarella recebeu a taça do presidente Jorge Videla, meu primo me ensinou o primeiro palavrão em castellano, mesmo sem querer, ao pronunciar a seguinte sentença: “Hijo de uma putana!”.
Naquele instante, além de aprender um palavrão em castellano, pude perceber como as coisas estavam. Mas, somente mais tarde, muito mais velho, tive a real dimensão dos fatos. Copa do Mundo, Mães da Praça de Maio (Madres de La Plaza de Mayo), Ditadura Militar, Operação Condor, tortura, “subversão” e Direitos Humanos são expressões que conheceria a fundo ano depois.
A Copa do Mundo de 1978, na Argentina, terminou, com a rotina voltando ao seu normal.
Meu primo foi embora, após algumas semanas conosco. Mais tarde fiquei sabendo que ele não regressou logo para a Argentina. Foi para a Espanha encontrar uns amigos. Descobri que aquela estadia em nossa casa fora para despistar “alguns caras” que estavam atrás dele. Ele era um jovem estudante e, como um considerável número de pessoas de sua idade, engajado em movimentos contra a Ditadura.
Só anos mais tarde, meu primo retornou para seu país, quando a situação já estava mais tranqüila, devido à queda do governo militar, após a Guerra das Malvinas, um dos fatos mais dramáticos da história argentina.
Meu primo reside com a família em Buenos Aires e atua como advogado de sindicatos, agora sem o risco de ser tachado de “subversivo”, ser preso ou desaparacer, mas ainda nos falamos por telefone.
Ele até me convidou para assistirmos ao River Plate, quando eu for por lá vê-lo. Disse-lhe que na Argentina torço pelo Boca Juniors. E ele me falou que tudo bem.
Em breve, tomaremos cerveja junto e conversaremos. Os tempos são outros, mas as histórias são eternas entre los hermanos.
Em plena era de Ditaduras, com gente sendo presa, torturada e sumindo, conseguimos viver uma democracia plena. Felizes, apesar das diferenças.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

BULLYING


No final do ano de 1982, três jovens noruegueses, com idade entre 10 e 14 anos, se suicidaram. Deixaram relatos escritos sobre os maus-tratos que vinham sendo submetidos pelos colegas de escola, até o momento em que não mais suportaram, ceifando suas próprias vidas.
O caso tomou uma dimensão, que o governo da Noruega resolveu realizar um estudo sobre a violência em ambiente escolar, cabendo ao pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, a tarefa de iniciar os primeiros trabalhos acerca daquilo que ficaria conhecido internacionalmente como bullying.
A palavra bullying é oriunda da língua inglesa e serve para designar toda e qualquer forma de prática agressiva ou anti-social entre pares, ou seja, entre pessoas que possuem aparentemente características semelhantes.
A definição de bullying mais próxima de nossa realidade é a “violência entre pares”, termo utilizado em Portugal, que serve para expressar formas de agressão, sejam físicas ou morais, e comportamentos anti-sociais. Assim, pode-se definir bullying pelos verbos agredir, ameaçar, amedrontar, bater, brutalizar, caluniar, coagir, difamar, discriminar, humilhar, injuriar, isolar, quebrar pertences alheios, roubar pertences, violentar, vitimizar, xingar, zoar, zombar, etc.
Importa dizer que para que haja o bullying a prática agressiva ou anti-social há que ser reiterada e sem motivação aparente. Uma simples brincadeira, ainda que de mal gosto, por exemplo, não caracteriza bullying. O bullying somente se caracteriza quando uma das partes manifesta dificuldade em se defender frente às práticas reiteradas e sem motivo aparente.
Geralmente, o bullying envolve três protagonistas: autor (ou agressor), alvo (ou vítima) e espectador (ou testemunha).
O autor é aquele que pratica o bullying. A ele é atribuída a característica de pessoa com pouca empatia, convivente em ambiente familiar desestruturado e desequilibrado. Pratica o bullying como uma forma de chamar a atenção dos outros, em substituição à atenção ou limites que lhes são negligenciados pela família. Neste sentido, o autor pode ser tido como vitimizador e como vítima.
O alvo normalmente é considerado como uma pessoa com poucas habilidades físicas e/ou psíquicas para se defender das agressões. Possui pouca habilidade para se expressar e se envolver socialmente.
Há três tipos de alvo:
Alvo típico: aquela pessoa que se acha incapaz de se defender, não tem habilidade de fazer amigos com facilidade e é dotado de timidez ou introspecção. É esse tipo de pessoa que é considerada como “bode expiatório”.
Alvo provocador: aquela pessoa que freqüentemente se envolve em polêmicas e em situações que a colocam em risco. Acaba por atrair para si a atenção do grupo, inclusive dos autores de bullying.
Alvo agressor: é aquele que transmite as agressões sofridas para as outras pessoas. Depois de sofrer as agressões, sente necessidade de “extravasar”, direcionando sua fúria, mágoa ou rancor para terceiros.
Além do autor e alvo, há o espectador, pessoa que presencia a prática agressiva ou anti-social. Procura não se envolver, com o intuito de evitar se tornar o próximo alvo.
A prática do bullying pode se manifestar diretamente (agredir, ameaçar, bater, coagir, humilhar, etc.) ou indiretamente (difamar, isolar, etc.).
Hoje até já se conhece o cyberbullying, praticado por intermédio da rede mundial de computadores (internet) ou por outros meios tecnológicos como telefones celulares, bips, etc.
Há vários fatores que contribuem para a prática do bullying. Os autores, por exemplo, conforme já dito, convivem em ambiente familiar desestruturado, em que seus responsáveis exercem pouca ou nenhuma atenção ou vigilância. Imagine-se se uma criança ou adolescente que presencia seus pais se agredindo física e verbalmente, com freqüência, teria a capacidade de transmitir a outras pessoas um modelo de comportamento diverso daquele? Do mesmo modo, cabe a pergunta se é possível imprimir à criança e ao adolescente um paradigma diferente daquele presenciado na mídia, no trânsito, etc.
Fato é que a escola reproduz o mundo exterior, ficando difícil erradicar, ou pelo menos diminuir, a violência em tal ambiente se crianças e adolescentes trazem consigo valores e comportamentos agressivos e anti-sociais construídos nos seis familiares.
Neste sentido, a articulação entre a família, a escola, a sociedade e o Estado é de suma importância para que se construa aquilo que se chama “cultura de paz”.
Ao contrário do que muita gente pensa, o bullying não ocorre somente na escola. Pode acontecer em ambiente de trabalho onde se encontrem pessoas adultas. Basta que haja uma situação de igualdade hierárquica aparente.
Uma situação hierárquica assimétrica não pode ser caracterizada como bullying (violência entre pares), mas como mobbying (assédio), devendo ser tratado de outra forma.
A prática do bullying acarreta conseqüências de ordem psíquica, social e pedagógica.
As conseqüências psíquicas do bullying se manifestam principalmente pelo abalo na auto-estima da pessoa, o que acaba por gerar efeitos em sua própria intimidade e na imagem que projeta perante as outras pessoas.
Associadas às conseqüências psíquicas, as repercussões sociais se verificam pelo comprometimento que a pessoa tem em se relacionar com outras. Além de lhe criar dificuldades em ambiente escolar ou de trabalho, pelo baixo desempenho, provoca ainda comprometimento no nível afetivo.
Por fim, as conseqüências pedagógicas aparecem pela dificuldade na aprendizagem e na construção intelectual da pessoa.
As conseqüências do bullying podem ser tão devastadoras que somente o apoio profissional especializado pode diminuí-las.
Desde os estudos iniciados pelo pesquisador norueguês Dan Olweus, inúmeros outros estudos foram realizados ao redor do mundo, assim como vários programas anti-bullying já foram implementados, cabendo menção àqueles promovidos pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), em 2002, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, e por intermédio da pesquisadora Cleo Fante, em São Paulo.
Atualmente, os pesquisadores Sueli Barbosa Thomaz e Robert Lee Segal se encontram envolvidos na análise da violência em ambiente escolar, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a fim de coletar dados mais recentes e captar as vivências que crianças e adolescentes possuem com a violência, bem como analisar como estas vivências e subjetividades se manifestam em ambiente escolar.
O Instituto Brasil Direito (IBD) também vem trabalhando junto a algumas instituições de ensino no estado do Rio de Janeiro no desenvolvimento de programas que visam a redução da violência em ambiente escolar e a formação de uma consciência cidadã fundada na tolerância, no respeito ao diferente e na solidariedade, elementos característicos de uma sociedade democrática e pacífica.
A negligência por parte das famílias, instituições de ensino, sociedade e Estado em tratar a questão do bullying acaba por gerar situações como aquelas ocorridas em Columbine, em 1999, em Virginia Tech, 2007 (Estados Unidos), Taiúva (São Paulo), em 2003, Remanso (Bahia), em 2004, e Silva Jardim (Rio de Janeiro), no ano de 2008.
Resta saber o que queremos para nossos descendentes e em qual mundo desejamos que eles vivam.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

A MÃO INVISÍVEL


Um dia, estava sentado em frente à TV assistindo um comercial de uma empresa de alimentos. Em seu anúncio publicitário, a dita empresa mostrava um determinado produto, associando-o à saúde, com imagens ligadas ao meio ambiente, como parques, cachoeiras, o céu azul com nuvens brancas, etc.
O problema é que eu conheço a empresa em tela, uma transnacional, e seu histórico. Ela foi inclusive responsável pela degradação de um recurso hídrico numa cidade do interior do Brasil, enquanto desenvolvia sua atividade empresarial de captação e venda de uma água mineral, principalmente para o mercado externo.
Pois bem, fiquei pensando como poderia afetar aquela empresa, já que, com o conluio do Poder Público local daquela cidade do interior brasileiro, a mesma explora o recurso hídrico sem problema, aferindo lucros exorbitantes e propagando uma imagem de empresa eticamente responsável.
Lembrei-me então do célebre Adam Smith e de outros adeptos da teoria da economia liberal, em que o Estado deveria abster-se de interferir no mercado, cabendo a este próprio mercado regular suas relações, mediante regras próprias de oferta e demanda, naquilo que ficou conhecido como a “mão invisível”, ou política econômica do laisse faire e do laissez passer.
Nesta mesma ocasião, lembrei de experiências como a ocorrida na Alemanha, a partir da década de 1970, que criou o chamado selo verde. Foi com aquela experiência que, levando em consideração as regras do mercado, empresas que não se preocupavam com a conservação ambiental começaram a ter prejuízo ou, pelo menos, comprometimento em seus lucros. É que os consumidores passaram a somente adquirir produtos de empresas que possuíssem programas voltados para a preservação do meio ambiente, durante sua cadeia produtiva.
Diante da TV e com aquelas lembranças, pensei no motivo de deixar de consumir produtos daquela empresa de alimentos. Não foi difícil encontrar argumento, pois, como já dito, sabia de seu histórico de degradação ambiental e da maneira hipócrita como associava seus produtos à saúde humana e ao meio ambiente.
Lembrei também de um presidente com uma cara meia debochada, para não dizer meio idiota (basta vê-lo falar em público), para também me perguntar o porquê de adquirir produtos de um país que se nega terminantemente em assinar e ratificar convenções internacionais que versam sobre mudanças climáticas, como o Protocolo de Kioto.
Perguntei-me então: Por que consumir produtos e serviços de empresas que poluem ou degradam o meio ambiente? Por que consumir produtos de países que violam os direitos humanos e não estão preocupados com o meio ambiente?
Para se ter uma idéia da dramaticidade do problema, basta conhecer um pouco da história de Tuvalu e Kiribati, dois países formados por pequenas ilhas no Oceano Pacífico, entre a Austrália e o Havaí.
Há uma previsão realística de que a população dos dois países terá que mudar de residência, tornando-se o que já se conhece como “refugiados ambientais”.
Tudo bem, alguns poderiam até dizer que se trata de um mito do aquecimento global, eis que a elevação do nível dos oceanos tenderia a acontecer de qualquer maneira. Mas o problema parece ser o efeito catalisador da ação humana sobre a dinâmica da natureza, especialmente sobre o clima e a temperatura, mediante a remessa na atmosfera de CO2. O que poderia levar cinqüenta anos ou mais para acontecer, já se assiste, sem que se dê tempo as diversas espécies animais (inclusive nós) e vegetais de se adaptarem às novas situações.
No Brasil, há relatos de acontecimentos que envolvem o nível da maré em cidades como Olinda, em Pernambuco, por exemplo. A freqüência e o impacto que as ondas do mar têm gerado no litoral do país também vêm chamando a atenção de pesquisadores.
Fico pensando em minhas sensações de quando era criança. Ainda que já vivêssemos em ambiente comprometido, percebo que, atualmente, as coisas parecem estar fora de controle. O que ontem era uma mata verde e densa, hoje se transforma em um campo de plantação de soja ou pasto, quando não um deserto; o rio que antes banhava cidades, hoje está seco; um dia, a temperatura está fria e, de repente, no outro, mal conseguimos suportar o calor.
Também nunca poderia imaginar que um dia a água, elemento natural que achávamos que fosse inesgotável, se tornaria um bem escasso e caro.
Fico pensando em nossos filhos e netos, assim como será o nosso legado para eles.
Naquele dia, em frente à TV, ao assistir a anúncio da tal empresa de alimentos e me lembrar dos teóricos da economia liberal, pensei: ora, se o mercado tem suas próprias regras e nós somos parte integrante deste mercado, então somos nós mesmos que ditamos as tais regras.
Hoje, quando vou a um supermercado, por exemplo, antes de adquirir um produto, vejo sua marca, o fabricante, o rótulo que mostra a composição química do mesmo e outras informações que julgo relevantes, em que embalagem o produto está condicionado, etc.
Procuro não consumir água mineral e outros produtos daquela empresa que degrada um recurso hídrico numa cidade do interior do Brasil, assim como tantos outros que conheço, pois sei quais são as empresas que não se preocupam com o meio ambiente e as repercussões de suas atividades. Afinal, essa é minha "mão invisível".

UMA RECEITA CHIQUE

Você algum dia já viu numa prateleira de mercado ou num restaurante aquele paté chique que aquelas pessoas bem-sucedidas comem e que tem um nome elegante - Foie Gras.
Origiária da língua francesa, Fois Gras significa fígado do pato (ou de ganso).
Talvez você também queira ser visto comprando ou comendo Fois Gras, marcando sua imagem pessoal na alta culinária, enriquecendo assim seu capital cultural. Afinal, pessoas chiques comem Fois Gras.
Só que, o que você não sabia é que a receita é super simples e barata. Dá até pra fezer em casa, por um preço módico, muito mais em conta do que aquele dos mercados e restaurantes.
Pois bem, aqui vai a receita:
1. Pegue um pato ou ganso, preferencialmente adulto, mas ainda novo.
2. Prenda-o numa jaula bem apertada, de modo que o mesmo não possa se locomover.
3. Dê a ele ração a base de milho e gordura de porco, normalmente, cerca de 150 a 200 gramas por dia, durante 30 dias.
4. Quando atingir os 30 dias de alimentação e condicionamento, pegue o pato ou ganso, pegue uma mangueira ou um cano com aproximadamente 30 cm de comprimento e enfie na goela do animal, bem fundo, até o estômago. O animal vai sofrer um pouco, mas afinal quem é que não sofre, não é mesmo. Antes ele que você, ora.
5. Dê ao pato ou ganso entre 1 e 3 quilos de comida pela mangueira ou cano, até sentir que o animal não agüenta mais.
6. Faça isso tantos dias até que o animal morra. Não se preocupe, ele agoniza, mas morre relativamente rápido.
7. Abra o pato ou o ganso e retire seu fígado. Perceberá que o tamanho do órgão cresceu cerca de 10 vezes do tamanho original.
8. Pegue o fígado e prepare um paté delicioso. Pode adicionar ervas, óleo, azeite e outros ingredientes.
9. Sirva e saboreie com amigos ou parentes.
Bom, agora que você sabe como se faz um típico paté de Foie Gras, sabe qual é a diferença entre você e aqueles que o produzem ou comercializam? Nenhuma. Ambos compartilham da morte desgraçada de um animal que, ao agonizar, serviu para masturbar seu ego; fazer você, seus amigos e parentes se sentirem chiques e culturalmente relevantes.
Ah, esqueci de te informar uma coisa: além de compactuar nos maus-tratos dos animais, você provavelmente estará mais doente ou menos saudável. É que o paté de Foie Gras possui altíssimos índices de gordura.
Cuidado para não morrer agonizando que nem o pato ou ganso, de tanto comer iguarias, na mesma medida e em que procura engordar se ego.