quinta-feira, 26 de abril de 2012

A VITIMIZAÇÃO ENTRE PARES ("BULLYING") E A "PEDAGOGIA DO MARTELO".




A vitimização entre pares (bullying)
Quem não se lembra dos tempos de colégio? Daquela época em que se viviam as paixões da juventude, correspondidas ou não; as ansiedades com os eventos, como as feiras de ciência e as olimpíadas escolares; as festas, animadas a refrigerantes e dança com os amigos. Tudo isso parece ter ficado gravado na memória de cada um de nós.
Mas, além de todas essas coisas que nos remetem a um período bom de nossa vida, existe a lembrança de momentos nem tão bons assim, ou mesmo ruins.
Quem também não se lembra de ter sido alvo de gozações, discriminação ou até agressão física na escola?
O que hoje chamam de bullying, na nossa época não tinha nome, o que não impedia que sofrêssemos com as violências físicas e/ou morais no ambiente escolar.
Às vezes, tornávamos alvo de agressões ou ficávamos ali, olhando alguém ser vitimizado. Em alguns casos, chegamos até a sermos os algozes.
Quando éramos alvos ou vítimas de ameaças e agressões, nem sempre podia se tornar um herói, como Jerry Mitchell, personagem vivido por Casey Siemaszko, no filme Te Pego Lá Fora (Three O’Clock High, 1987).
Ser ameaçado e agredido por um cara aparentemente mais forte que a gente, como Buddy Revel, personagem de Richard Tyson naquele filme, e, num passe de mágica, reagir com sucesso não era tão comum assim, ficando, no máximo, no plano das ideias.
Atualmente, a violência ainda parece habitar o ambiente escolar. Ameaças, brigas, xingamentos, roubos de pertences etc. são algumas manifestações de violência na escola, relatadas, por exemplo, na pesquisa realizada pela UNESCO, sob a coordenação de Miriam Abramovay e Maria das Graças Rua, cujo trabalho foi publicado no ano de 2002.
Desde as pesquisas pioneiras do professor Dan Olweus, da Universidade de Bergen, Noruega, no início da decada de 1980, inúmeros estudos vêm sendo realizados, com uma coleção quase infinita de trabalhos publicados sobre o assunto, ou, mais precisamente, sobre o que internacionalmente se convencionou chamar de bullying.
Palavra originada da cultura anglo-saxônica, bullying pode ser traduzido para a língua portuguesa como vitimização entre pares, conforme terminologia adotada pelos autores lusos.
Refere-se a toda e qualquer forma de violência física ou moral em face de uma pessoa ou grupo, praticada por uma pessoa ou grupo de pessoas, ainda que sem motivação aparente, de maneira reiterada, com o objetivo de causar danos de ordem patrimonial, física, moral ou psíquica. Pressupõe ainda uma equivalência aparente entre as partes envolvidas, não enquadrando-se, portanto, quando há assimetria de poder, como se verifica, por exemplo, entre professor e aluno, patrão e empregado. Nestes casos, a palavra a ser empregada é assédio (mobbing ou harrassment), com um tratamento particularizado.
Bullying remete à palavra bully, referente ao “brigão”, “valentão” ou “marrento”.
A vitimização entre pares (bullying) consiste, pois, em atitudes antissociais e violentas, tais como: ameaçar, amedrontar, bater, brigar, bulir, caluniar, caçoar, danificar pertencer alheios, difamar, excluir, humilhar, isolar, maltratar, oprimir, roubar pertences, zoar, xingar etc.
Há formas diretas de vitimização, como, por exemplo, agressões físicas e subtração de pertences mediante ameaças. Mas, também existem casos em que a vitimização se dá de maneira indireta, dissimulada, disfarçada, como ocorre em casos em que os alvos, ou vítimas, são discriminados, isolados da convivência do grupo. Quem não se lembra de ter experimentado uma discriminação ou isolamento por ter o peso acima da média, esteticamente considerada pelos padrões ditos normais, ser deixado de lado na hora da escolha dos times de futebol ou voleibol, ou ainda ter ficado de lado pelos colegas por não vestir a roupa da moda ou ter um aparelho celular de última geração. Afinal, numa sociedade de consumo, a aparência pode contar muito para a aceitação dos outros.
Além dessas formas presenciais de vitimização entre pares (bullying), uma outra forma vem ganhando espaço, considerando o uso das chamadas novas tecnologias da informação e comunicação: a vitimização cibernética, ou cyberbullying, como é conhecido. Mensagens ofensivas e ameaçadoras vêm tomando conta das redes sociais da rede mundial de computadores (internet).
Geralmente, três são os atores, personalidades ou sujeitos, envolvidos nos casos de vitimização entre pares (bullying): os autores, ou agressores; os alvos, ou vítimas; e os espectadores, ou testemunhas.
Autores
Os autores ou agressores são, propriamente, as pessoas que praticam o bullying, ou seja, aqueles que manifestam o comportamento agressivo, antissocial ou violento.
Ao autor de bullying é atribuída à qualidade de indivíduo com pouca empatia, acreditando-se que sua atitude agressiva, antissocial ou violenta se dê por uma série de possíveis razões, entre as quais, vale citar:
a) crença na sua superioridade em relação às outras pessoas;
b) crença na impunidade de seus atos; e
c) vivência em famílias desestruturadas, cujos responsáveis manifestam comportamento opressor, agressivo e violento.
Alvos ou vítimas
Na maioria das vezes, percebem-se os alvos ou as vítimas de bullying como pessoas que sofrem não dispõe de recursos, status ou habilidade para reagir ao ato danoso ou fazê-lo cessar, e que seriam ainda pessoas pouco sociáveis, inseguras e desesperançadas quanto à possibilidade de serem aceitas no grupo. Além disso, com uma baixa autoestima, teriam poucos amigos, seriam passivos, quietos, infelizes, e sofreriam com medo, depressão e ansiedade.
Mas, existem também outras condições que podem contribuir para a vitimização, como o fato de ser um aluno novo na escola, de ser de outra localidade ou professar uma religião diferente do grupo escolar, o que revelam preconceito e discriminação.
Mendelsohn (apud Piedade Júnior, 2007), define algumas espécies de vítimas:
a) Vítima inteiramente inocente, ou seja, a verdadeira vítima;
b) Vítima, inteira e exclusivamente, culpada, ou falsa vítima;
c) Vítima tão culpada quanto seu vitimizador;
d) Vítima mais culpada do que seu vitimizador; e
e) Vítima menos culpada do que seu vitimizador.
Espectadores ou testemunhas
Além dos autores e dos alvos, há os espectadores, ou testemunhas, pessoas que presenciam a vitimização (bullying), mas nada fazem, por acharem graça na prática violenta ou antissocial, por não sentirem empatia com relação ao alvo ou à vítima, ou por medo de se tornarem os próximos alvos ou as seguintes vítimas.
Fatores
Entre os fatores possivelmente atribuídos ao bullying, destacam-se:
a) fatores psicológicos – hiperatividade, impulsividade, controle comportamental deficiente e problemas de atenção, nervosismo e ansiedade;
b) fatores familiares – supervisão parental deficiente, pais agressivos e agressão entre os pais;
c) fatores relativos a colegas, condição socioeconômica e vizinhança – amigos violentos, baixa condição socioeconômica da família, famílias numerosas, mães muito jovens, jovens que residem em áreas urbanas tenderiam ser mais violentos do que os habitantes de áreas rurais, residência em bairro ruim;
d) fatores circunstanciais – presença de um agressor motivado e um alvo conveniente, no mesmo tempo e espaço, na ausência de um guardião capaz.
Consequências
Existem inúmeras pesquisas que demonstram as consequências da vitimização entre pares (bullying), dentre as quais, podem ser citadas, aquelas de ordem:
a) material – perda patrimonial, como se verifica, por exemplo, nos casos de dano e roubo;
b) psicológica – abalo na estrutura mental do alvo, e mesmo dos espectadores, haja vista o medo e o trauma, afetando o equilíbrio psíquico da pessoa, sua autoestima e problemas de saúde, a partir de sintomas psicossomáticos;
c) social – perde-se a capacidade de se relacionar com as pessoas, em decorrência do próprio abalo psicológico; e
d) pedagógica – dificuldade de aprendizagem, como consequência do abalo psicológico e da baixa autoestima.
Instala-se, pois, uma atmosfera de medo entre os muros da escola – um medo líquido, como diria Bauman (2008) – e que de lá emanam, dando ensejo, inclusive, a casos de suicídios provocados pela vitimização entre pares (bullying)., o “bullycídio”, como se conhece
Pessoas cansadas de experimentar violência física e moral, têm posto fim às suas vidas, quando não, antes, à vida de outras pessoas, haja vista os caso de Jeremy Wade Delle, no Texas, que se matou com um tiro na boca, na sala de aula, e que inspirou a banda de rock norte-americana Pearl Jam a fazer a música “Jeremy”;
de Eric Harris e Dylan Klebold, que assassinaram, na pequena cidade de Littleton, no estado americano do Colorado, os companheiros de escola, mediante a utilização de armas de fogo (fuzis, pistolas etc.) e de artefatos explosivos, no que ficou conhecido como o Massacre de Columbine; e de Wellington Menezes de Oliveira, no célebre “Massacre de Realengo”, que, entre tantos fatores (carência afetiva pelo falecimento da mãe, suposta negligência familiar, influência da exposição de violência pela mídia, facilidade na aquisição de armas e munição etc.), teria sido vítima de bullying, resolvendo se vingar nos alunos da Escola Municipal Tarso da Silveira.
O que de ruim vivenciávamos no nosso tempo de escola, inclusive o bullying (ainda que não houvesse essa designação para aquilo que sofremos), provavelmente, não queremos que nossos filhos experimentem.
Diante disso e de políticas públicas que têm o condão de prevenir, erradicar ou, pelo menos, reduzir os casos de vitimização entre pares (bullying) na escola ganharam uma projeção sem precedentes na sociedade e na mídia, razões pelas quais o Poder Judiciário vem sendo acionado com ações de reparação de danos.
A judicilização da vitimização entre pares (bullying)
Para se compreender a dramaticidade de tal fato, basta acessar o link referente à jurisprudência selecionada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ). Ver-se-á naquele link a palavra bullying e uma crescente jurisprudência (coleção de decisões do Tribunal de Justiça) sobre a matéria.
Não se trata de um fenômeno que acontece somente na Corte de Justiça fluminense. Existem várias decisões em diversos Tribunais de Justiça do país, o que, demonstra, guardadas as suas devidas proporções, uma judicialização da questão concernente à vitimização entre pares (bullying) nas escolas, como já vinha ocorrendo em Tribunais de países como Estados Unidos e Inglaterra.
Ao consultar as páginas (sites) dos Tribunais de Justiça no Brasil, pode-se observar decisões que têm condenado a administração pública por casos de bullying em escolas públicas, com base no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, no art. 928, do Código Civil, e na Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O mesmo tem-se aplicado em face das escolas particulares, com a ressalva de que àquelas incide o art. 14 da Lei nº 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerando que elas se enquadram no conceito de fornecedoras ou prestadoras de serviço, como define o art. 3º desta mesma lei.
Além da responsabilização civil das instituições de ensino, existem decisões judiciais que admitem a responsabilidade solidária dos responsáveis legais (pais e tutores) dos menores (crianças e adolescentes) autores de bullying. Tais decisões fazem isso com base no dever que as instituições têm de garantir a integridade física, moral e psíquica dos seus alunos, bem como, nos casos aplicáveis, com fundamento de que os responsáveis legais dos autores de bullying têm a obrigação de educá-los e de responder pelos danos materiais e morais por estes causados em face de terceiros, como dispõe o art. 932 do Código Civil.
Em tese, cabível seria ainda a responsabilização de adolescentes em casos de bullying, mesmo considerando a peculiaridade das pessoas menores de 18 anos, tendo em vista o critério psicobiológico que dispõe sobre a incapacidade plena das pessoas abaixo dos 18 anos de idade, posto que, elas não teriam a capacidade de perceber a realidade como se adultas fossem. Daí porque a elas incide o conceito de “ato infracional” (art. 103, da Lei nº 8.069/1990) e as medidas protetivas e socieducativas necessárias, e não pena.
Seria então a vitimização entre pares (bullying) uma questão judicial e, quiçá, policial, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos?
Em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, a vitimização entre os pares (bullying) é tratada com crime, considerando sua associação à delinquência juvenil.
No estado do Rio de Janeiro, fez-se a escolha pela notificação compulsória por parte dos diretores das escolas públicas e privadas ao Conselho Tutelar e à autoridade policial competente, consoante estabelece o art. 1º da Lei nº 5.824/2010, sob pena do pagamento de uma multa equivalente a 20 salários mínimos, como prevê o art. 245 da Lei nº 8.069/1990 (ECA).
Com relação ao Poder Judiciário, conforme dito, este já vem sendo provocado por crianças e adolescentes, representados por seus pais, em ações de indenização por danos materiais e morais provocados por casos de bullying, inclusive nos praticados na rede mundial de computadores (internet).
Se, por um lado, tal medida vem sendo acusada de "banalização" do tratamento escolar do bullying junto ao Poder Judiciário, por outro, a “pedagogia do martelo” tem sido o único caminho para que algumas famílias sejam ouvidas pelo Poder Público e por gestores das escolas públicas e privadas.
Tal questão merece ser tratada com muita cautela, eis que pode-se:
a) condenar alguém com base em fatos inverídicos;
b) desconsiderar casos em que o alvo ou a vítima tenham contribuído para a agressão, o que pode não eximir o autor de bullying ou agressor por tal fato, mas, talvez, amenizar uma condenação;
c) proporcionar um enriquecimento sem causa da família do suposto alvo de bullying; ou
d) deixar de promover a devida reparação ou compensação à pessoa do alvo ou vítima de bullying, ensejando impunidade ao autor de bullying, à família responsável pela educação dele e/ou à instituição solidariamente responsável pela educação das crianças e adolescentes.
Fato é que, ao contrário de Jerry Mitchell que, tomando o soco-inglês do valentão Buddy Revel, durante uma briga na escola, aniquilou seu algoz, algumas famílias têm recorrido ao martelo do Poder Judiciário como arma, compensatória e pedagógica, ao mesmo tempo, e para inibir a prática da vitimização entre pares (bullying) nas escolas.
Referência
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BAUMAN, Zygmunt. Medo Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
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DEBARBIEUX, Eric; BLAYA, Catherine (org.). Violência nas Escolas e Políticas Públicas. Brasília: UNESCO, 2002.
FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus Editora, 2005.
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LOPES NETO, Aramis A.; SAAVEDRA, Lúcia Helena. Diga Não ao Bullying: programa de redução ao comportamento agressivo entre estudantes. Rio de Janeiro: ABRAPIA, 2004.
MALDONADO, Maria Tereza. Bullying e Cyberbullying: o que fazemos com o que fazem conosco?
São Paulo: Moderna, 2011.
MARR, Neil; FIELD, Tim. Bullyicide: death at playtime. Success Unlimited, 2001.
TEIXEIRA, Gustavo. Transtornos Comportamentais na Infância e Adolescente. Rio de Janeiro: Rubio, 2006.
PIEDADE JÚNIOR, Heitor. Vitimologia: evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Maanaim, 2007.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Tão só, tão junto. Ou tão junto, quando se deveria estar só.




Numa sexta-feira, parei para almoçar e ler um livro num restaurante aqui perto de casa. Levei um livro e um lápis, a fim de sublinhar os trechos que julgaria importante e fazer os apontamentos necessários. Sentei-me à mesa, pedi uma água mineral e um prato de comida, entre as opções no cardápio.
Do instante que sentei-me à mesa ao momento que paguei a conta, devo ter levado umas duas horas. Saboreei a comida, bebi minha água, comi uma sobremesa e tomei um café, além de ler um bom pedaço de meu livro, mesmo que minha atenção fosse desviada por um fato inusitado.
Não que eu seja de tomar conta da vida dos outros, mas uma cena, ali, bem à minha frente, chamou-me a atenção. Numa mesa próxima, um casal almoçava enquanto assistiam à televisão do restaurante.
Percebi que, durante a refeição, aquele mesmo casal não soltou uma única palavra. Fiquei pensando se aquela atitude recíproca não seria correta, pois, como diziam nossas avós, hora de comer não é hora de conversar.
Mas, para minha surpresa, mesmo após comerem, o casal continuou sem trocar uma única palavra. E mais, começaram a manusear seus aparelhos de telefone celular. Ficaram ali, um de frente para o outro, sentados à mesa, tocando os referidos aparelhos com seus dedos velozes.
Passado algum tempo, o rapaz pediu a conta ao garçom. Pagou-a e se levantou, sendo acompanhado por aquela que deveria ser sua mulher (inferi isso considerando que vi as alianças douradas em suas mãos esquerdas e, uma vez tomado de curiosidade, perguntei ao garçom se eles eram casados, recebendo uma resposta afirmativa).
Como tenho certa intimidade com o garçom, já que frequento o restaurante há mais de trinta anos, comentei com ele sobre o silêncio do casal. E ele me disse que aquele casal era assim mesmo, calado, "estranho".
Quase duas horas, sentados à mesa e sem trocar uma única palavra. Estavam ali, junto, mas como se estivessem sós. Interagiam com outras pessoas, em seus celulares, num frenesi cibernético, mas sequer abriram a boca pra falar um com o outro.
Diante daquela cena inusitada, lembrei-me do encontro que tive com uma amiga, uma grande amiga dos tempos de universidade, que há algum tempo não via. Combinamos de matar as saudades, tomar uns chopes e bater um papo.
No dia e hora combinados, encontram-nos num restaurante perto da casa dela, após o horário de trabalho.
Quando cheguei, ela já estava lá, sentada à mesa, naturalmente, esperando a minha chegada. Abraçamo-nos e expressamos nossa alegria pelo reencontro.
Ficamos um tempo ali, naquele restaurante, conversando, ou, pelo menos, tentando, no meu caso, eis que a tal amiga, pelo que percebi, de cinco em cinco minutos, aproximadamente, pegava seu aparelho celular de última geração, olhando se havia alguma chamada ou mensagem, como quem sofre de transtorno obsessivo-compulsivo, conhecido como TOC.
Passamos um tempo sem nos vermos e, apesar da emoção externada pelo reencontro, lá estava ela, comigo e, ao parece, com o mundo inteiro, ainda que virtualmente. E eu ali com ela, tão junto, e tão só.
Voltei para casa pensando sobre aquele encontro. Fiquei pensando se eu havia falado ou feito algo inconveniente. Mas, com o passar da semana, vi que é um comportamento “normal” entre as pessoas.
Outra situação engraçada, para não dizer curiosa, se deu num ônibus, ao retornar da universidade onde curso uma disciplina, e que fica cerca de uma hora de minha residência no horário do rush.
Atrás de mim, sentada, uma garota veio, desde que apanhamos o ônibus no ponto final, próximo à universidade, até a altura de minha residência, falando ao celular, sem um único intervalo.
Ao participar obrigatoriamente da conversa dela, seja lá com quem fosse, o que realmente não me interessava, pensei na incapacidade das pessoas em ter um momento de silêncio, a fim de contemplar o mundo e aproveitar um dos raros instantes de ócio (ainda que em trânsito num ônibus) para, quem sabe, criar coisas, ainda que sejam somente para si mesmas. Afinal, não posso exigir que daqueles instantes surjam coisas para salvar o mundo ou torná-lo melhor.
E assim seguia ela, falando, falando, falando... E nem se importava se sua conversa estava sendo inconveniente para alguém, posto que ela falava num tom que todos os passageiros do ônibus eram obrigados a ouvi-la. A ausência da disposição dela em ficar só, em silêncio, impunha uma companhia a todos nós, inclusive a mim, ali, sentado bem a frente dela.
Talvez, as pessoas tenham perdido oportunidades de compartilhar a companhia de alguém, em toda a sua plenitude, e também o sentido da solidão, o que não significa isolamento.
Mas, pensando bem, plenitude não significa atualmente estar com várias pessoas, ao mesmo tempo? Por outro lado, a solidão não se torna, ela própria, um inconveniente, considerando que é justamente neste momento que (re)aparecem os “fantasmas”, dos quais algumas pessoas querem justamente fugir?
Cada um que responda por si só, ou, se precisar, junto de alguém.