quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

ABUSOS E OMISSÕES


Tento me conter, mas não consigo; ainda mais com alguns acontecimentos que não podem passar despercebidos pelos meus olhos e ouvidos.
Recentemente, aqui no Brasil, dois eventos me chamaram a atenção.
O primeiro deles se refere à iniciativa do Senado de aumentar o número de vereadores por todo o país, gerando um impacto de R$ 4,8 milhões anuais.
Li uma notícia que continha o seguinte teor:
“Com o plenário lotado de suplentes, numa sessão relâmpago e em rito sumário, o Senado aprovou na madrugada desta quinta-feira a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que recria 7.373 dos 8 mil cargos de vereadores cortados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2004, com apoio quase unânime dos governistas e oposição”. (http://oglobo.com. publicada em 19/12/2008. acesso em 07/01/2009).
O segundo evento diz respeito a gratificação de funcionários públicos por cursos de especialização.
“Câmara decide instituir bônus renegado pelo Senado. A chamada gratificação por especialização deveria ser destinada apenas a servidores com pós-graduação. Mas será paga também aqueles que detém cargo de chefia sem jamais terem estudado depois da faculdade” (Correio Braziliense. 08/12/2008, p. 1 e 4).
A tal gratificação pode gerar um impacto financeiro para o país de 4 milhões por mês.
Tais fatos, por si só, já me causariam indignação. Mas a situação se agrava quando penso que estamos num momento de crise financeira mundial, em que alteridade, poupança e prudência são palavras de ordem.
Fico me perguntando como há Propostas de Emenda a Constituição da República Federativa do Brasil (PECs) que são votadas nas casas legislativas federais em tão pouco tempo e mediante tamanha mobilização de nossos representantes populares. Mas, a reposta vem logo em seguida quando me lembro das várias modificações realizadas em nossa Constituição para atender a grupos específicos. E aquela concernente ao aumento do número de vereadores serve para ilustrar o fisiologismo dos representantes populares nas casas legislativas e como os mandatos políticos neste país tem servido para privatizar interesses públicos.
Sem querer me enaltecer, há algum tempo venho dialogando com pessoas sobre o fim do voto secreto dos nossos representantes nas casas legislativas – Congresso e Senado; Câmara dos Deputados Estaduais e Câmaras dos Vereadores.
Em que pesem alguns movimentos ainda isolados, no sentido de pôr fim a votação secreta dos parlamentares, estes alegam que o voto secreto por eles exercido nas casas legislativas possui amparo constitucional.
O voto secreto de parlamentares representou por muito tempo uma garantia contra as arbitrariedades cometidas por regimes como o militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.
O caso que envolveu o deputado Márcio Moreira Alves e o fechamento do Congresso e do Senado por ocasião da edição do Ato Institucional n° 5 (o famigerado AI-5), em 13 de dezembro de 1968, demonstram a importância de garantias aos parlamentares.
Entretanto, com o advento do Estado Democrático de Direito, cabe questionar se o voto secreto dos representantes populares nas casas legislativas ainda assiste razão.
Um projeto pelo fim da votação secreta dos representantes populares nas casas legislativas já foi proposto pelo então deputado federal Luiz Antônio Fleury, com vistas a alterar os artigos 52, 53, 56 e 66 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo a referida PEC recebido o número 349/2001.
O projeto em tela andou em várias comissões antes de parar em alguma gaveta, arquivado, provavelmente por não atender aos interesses dos representantes do povo brasileiro.
Não tenho qualquer temor em afirmar que a manutenção da votação secreta dos representantes populares nas casas legislativas é inconstitucional, pelos seguintes fundamentos de direito:
1) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 14, prevê que” a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)”.
O artigo 14 da Carta Magna se refere ao voto popular e aos mecanismos de decisão popular direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei.
O voto ali referido se refere ao “voto cidadão” e não ao “voto mandato”, ou seja, aquela manifestação que cada cidadão brasileiro possui como um direito fundamental, garantido constitucionalmente e protegido por instrumentos judiciais próprios.
Quando um parlamentar participa de uma votação em uma das casas legislativas federais, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, na verdade está manifestando (ou deveria manifestar) a vontade daqueles cidadãos que o nomearam como representante. Não se trata, portanto, de um voto pessoal do parlamentar, mas de uma manifestação popular a que ele representa. Daí o termo “voto mandato”.
2) Estabelece o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que:
“Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
Vê-se que pelo verbo “obedecerá”, trata-se de uma imposição e não uma faculdade (facultas agendi), de forma que todos aquelas pessoas envolvidas nos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e por analogia, os representantes populares nas casas legislativas estão obrigadas aos princípios ali descritos. Não se trata, pois, de um “querer”, mas de um “dever de obediência”.
Os princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constituem uma das marcas indeléveis do Estado Democrático de Direito e a violação de qualquer um deles representa uma ameaça a própria democracia brasileira.
Aquele voto que cada cidadão brasileiro deixa na urna eletrônica ou em cédula de papel nos períodos de eleição há de ser sempre direto, secreto e com igual valor em relação aos demais votos, enquanto condição sine qua non para a nossa ordem democrática.
Todavia, ao contrário do voto exercido por cada cidadão em época oportuna, o voto do parlamenta deve ser transparente, uma vez considerados os princípios estabelecidos pelo artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, valendo lembrar, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Há muitos Projetos de Emendas a Constituição Federal (PECs) que parecem ter a máxima urgência, merecendo a atenção de nossos representantes populares nas casas legislativas, nos três planos – União, Estados e Distrito Federal e Municípios, sem que outras consideradas como relevantes sequer cheguem a despertar a atenção dos parlamentares ou mesmo a nossa.
No caso do fim da votação secreta dos parlamentares em assuntos que digam respeito aos nossos interesses (refiro-me aqui aos interesses de nós cidadãos), parece que tal proposta não tem despertado interesse de instituições oficiais como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre tantas outras, e mesmo de organizações não-governamentais que tenham como objeto a defesa da democracia e o combate a corrupção.
Confesso que desconheço os motivos, mas me pergunto se o silêncio das instituições acima mencionadas e de todos nós cidadãos tem ocorrido pela ausência de qualquer pretensão com relação ao tema ou pelo fato de ninguém querer se arriscar, colocando assim a cara a tapa.
Ou será que pensamos o seguinte: “bom, não vou falar no assunto, pois amanhã poderei ser um deles (um dos parlamentares)”.
Seria ingenuidade afirmar que o fim da votação secreta dos representantes populares serviria para solucionar todas as mazelas e para pôr um fim em jogos inescrupulosos envolvendo interesses públicos nas casas legislativas. Mas, a referida medida faria alguma diferença, já que nossos ilustres representantes seriam obrigados a assumir seus respectivos posicionamentos ou, como se diz no popular, “mostrar as caras”. Afinal, a democracia brasileira contemporânea pressupõe isso.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

ONDE RESIDE O CONFLITO ISRAEL X PALESTINA?


Nestes últimos dias, tenho ouvido e visto muitas coisas ditas e projetadas sobre o conflito entre israelenses, de um lado, e palestinos e árabes, de outro.
Os noticiários da televisão dão conta da invasão do território de Gaza, dos ataques das tropas israelenses, do massacre de civis palestinos, inclusive crianças, e da troca de mísseis entre o Estado de Israel e radicais palestinos do Hamas, ferindo e matando pessoas de ambos os lados.
Percebo um número crescente de pessoas aqui no Brasil, há milhares de quilômetros do conflito, que, comovidas pelos fatos no Oriente Médio, chegam a se manifestar especialmente a favor do povo palestino e contra o Estado de Israel, ou vice-versa. Mensagens na internet, nas comunidades do Orkut, em camisas e em cartazes são algumas dessas manifestações. Já recebi e vi manifestações do tipo “A Palestina para os Palestinos”, “Fora Israel”, “Shimon Peres Assassino”, “Guerra aos Terroristas do Hamas”, etc.
Outro dia, ao caminhar pelo calçadão no nobre bairro de Ipanema, me deparei com um jovem com uma camisa alusiva ao Hezbollah, a quem o Governo israelense chama de terrorista.
Ao ver aquele jovem com aquela camisa, logo fui tomado por um sentimento de surpresa. Afinal, mal poderia esperar um jovem de classe média (talvez até classe média-alta; se é que ainda se pode usar este termo para definir status socioeconômico), de pele clara, andando em plena luz do sol do Rio de Janeiro, trajando aquela camisa do Hezbollah.
Senti vontade de perguntar aquele rapaz se ele sabia o que estava escrito naquela camisa ou de dizer-lhe que ali estava escrito “eu sou gay” (ressalte-se que não sou preconceituoso com relação aos homoafetivos), "estou com a cueca suja", ou coisa parecida, no intuito de instigá-lo.
Também recebi há poucos dias uma mensagem pela internet contando sobre o sentimento antijudeu ou antijudaísmo (o que antes se conhecia como antisemitismo) que vem crescendo no mundo, especialmente na Europa. Naquela mensagem, traduzida para o idioma espanhol, o autor procurava demonstrar como os europeus atribuiriam os males do mundo ao poder econômico e, consequentemente, político dos judeus, com destaque da crítica voltada para os judeus norte-americanos.
Quando vejo todos esses fatos e aquelas manifestações de amor ou ódio por um dos dois lados – israelenses ou palestinos – há um turbilhão de coisas que penso e sobre as quais não posso me silenciar.
A Declaração do Estado de Israel ocorreu em 14 de maio de 1948 como materialização do movimento sionista do século XIX e da esperança de um lar seguro para os judeus de todo o planeta, depois do sofrimento pelas atrocidades cometidas pelos Estados nazifascistas nos campos de concentração e extermínio na Europa, no período 1939-1945. Naquele tempo de sete anos, aproximadamente seis milhões de judeus foram aniquiladas (daí o termo hebraico shoah), naquilo que ficou conhecido como holocausto.
Mas que fique esclarecido que não somente judeus foram vitimizados pelos nazifascistas. Intelectuais, opositores políticos, homoafetivos (ou homossexuais), deficientes físicos e mentais, entre outros, tiveram a oportunidade de sentir na pele (e até pagar com as próprias vidas) as agruras e os sofrimentos nos campos de concentração e extermínio.
Para cada grupo de pessoas existia um símbolo próprio que era preso aos uniformes dos prisioneiros, que pareciam pijamas. Para judeus, triângulos sobrepostos na cor amarela, formando a Estrela de Davi, e, as vezes, com a inscrição Jude; para as Testemunhas de Jeová, triângulos roxos; para descendentes de judeus (filhos, netos, bisnetos ou tataranetos), um triângulo amarelo; para imigrantes ou opositores políticos, um triângulo azul; para ciganos, um triângulo marrom; para homoafetivos (homossexuais), um triângulo rosa; para mulheres antissociais, como lésbicas, alcoólatras e feministas, um triângulo preto; e para os arianos casados com judeus, um triângulo preto sobre outro amarelo. Enfim havia um símbolo para cada tipo de pessoa, o qual, na prática, era um passaporte para a morte, mediante um tiro na nuca, o envio para a câmara de gás ou em decorrência de experiências macabras nas salas dos médicos nazistas.
Após 1945, se por um lado os israelenses viam nos britânicos os principais responsáveis pelos entraves do retorno dos judeus a Terra Prometida, haja vista o não cumprimento por parte destes da Declaração de Balfour, datada de 1917, os palestinos enxergaram a chegada dos judeus como uma ameaça a seu povo.
Logo na ocasião da independência em 1948, os israelenses foram provados pelos ataques empreendidos por egípcios, jordanianos, sírios, iraquianos e libaneses, que possuíam evidente superioridade no número de armas, equipamentos e soldados.
Há quem atribua aos judeus a culpa pela guerra árabe-israelense, como ficou conhecida, considerando-os como invasores e usurpadores das terras da Palestina.
Entretanto, é imprescindível que se façam os seguintes alertas:
- Por várias vezes os judeus habitantes da então Judeia foram vítimas de invasões e privações. Babilônios, assírios, persas, gregos e romanos investiram contra os judeus desde 586 a.C.
- Tanto judeus como não-judeus habitavam a Palestina há muito antes de o Império Romano ter efetivamente dominado aquela terra a partir do ano de 70 a.C. (ou 70 E.C., ou da Era Comum) e após estes últimos terem destruído o Segundo Templo de Salomão e massacrarem cerca de um milhão de judeus, segundo alguns historiadores. Foram os romanos que deram o nome de Palestina em substituição ao nome original de Judeia, numa tentativa de se desfazer de todos os vestígios da presença e cultura judaica na região.
- Com a Revolta de Bar Kochba contra os romanos tendo sido esmagada, em 135 d.C., os judeus foram escravizados e expulsos de suas terras, naquilo que ficou conhecido como “diáspora”.
- Expulsos de suas terras, os judeus seguiram para outras partes do mundo, como a Europa, onde se tornariam vítimas de perseguições e massacres, como aqueles promovidos pelas Inquisições entre os séculos XIV e XVI.
- Durante o século XIX surge o movimento sionista como aspiração dos judeus de retorno a Terra de Israel. Reitere-se que havia uma promessa dos britânicos, responsáveis pela ocupação da Palestina no período de 1919-1948, em auxiliar o retorno dos judeus a região. A Declaração de Balfour (o nome da declaração remete-se ao Secretário para Assuntos Exteriores da Grã-Bretanha, Arthur Balfour), apesar de assinada em 1917, não foi cumprida pelos britânicos, fazendo com que os judeus se dessem conta que estariam por sua própria conta e risco, principalmente com o início das agressões dos árabes, a partir da década de 1920.
- Muitos dos judeus que chegaram a região adquiriram terras diretamente das mãos dos turco-otomanos, por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial, mediante compra.
- Em 29 de novembro de 1947, a Assembléia Geral das Nações Unidas, presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, decidiu promover a divisão da Palestina Britânica em dois estados, um judeu e outro palestino, mediante a Resolução n° 181, de 29 de novembro de 1947. Ao contrário dos judeus, a Liga Árabe (originalmente formado por Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria) recusa tal proposta, deflagrando o conflito que se seguiria.
- Após a Declaração de Independência do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, milhares de judeus de todas as partes do mundo migraram para o recém criado país. Judeus Sefaraditas e Mizrahim (especialmente os sobreviventes de guerras e países árabes) foram recebidos em Israel. Além desses, judeus de origem americana, latina e européia também chearam ao Estado recém criado.
Estes fatos elucidam as responsabilidades de judeus, palestinos e árabes. Se pelo lado dos judeus houve um movimento de limpeza étnica, como alguns historiadores alegam, por parte dos palestinos e árabes, além da recusa da Resolução 181 da ONU, foram efetuadas agressões aos civis judeus da região.
Em sua breve história, o Estado de Israel foi provado por cinco ocasiões (1948, 1956, 1967, 1973 e 1982), com sua existência sob forte ameaça. Também não podem ser esquecidos os massacres de judeus ao redor do mundo, como aquele ocorrido em plena realização dos Jogos Olímpicos em Munique, no ano de 1972, quando integrantes do movimento autodenominado Setembro Negro assassinaram onze atletas israelenses.
O que pretendo trazer a baila aqui certamente não é traçar um perfil dos judeus enquanto pobres coitados. Muito pelo contrário, coloco minha cara a tapa ao assumir que há judeus que não entendem que assim como eles, os palestinos também possuem o direito de ter um Estado independente. Urge a compreensão em alguns grupos de judeus, principalmente nos ortodoxos, como os daquele jovem que matou Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995, que a concepção bíblica de povo escolhido não implica em ser superior ou melhor do que outros povos.
Mas, assim como judeus necessitam perceber seu papel no mundo contemporâneo, valendo-me referir ao ano de 2009 d.C. ou 5769 do calendário hebraico, árabes e palestinos devem fazê-lo. Basta verificar a biografia de Yasser Arafat para perceber como a predisposição de troca do fuzil pelo ramo de oliveira (vide seu discurso na Assembléia das Nações Unidas em 1974) surtiu muito mais efeitos do que explosivos e atentados terroristas. A comunidade internacional parace estar mais sensível aos apelos palestrinos do que antes, em que pese as merecidas críticas a ONU e ao posicionamento norte-americano. Ainda há muito a ser feito.
O aperto de mãos entre Yitzahk Rabin e Yasser Arafat sinalizou, pela primeira vez na história, uma possibilidade de paz entre israelenses e palestinos, especialmente com a realização da Conferência de Madri, em 1991, e do Acordo de Oslo, Noruega, 1993.
O problema é que a Autoridade Palestina não conseguiu fazer valer a sua autoridade, acirrando os conflitos entre os dois principais grupos palestinos – o Fatah e o Hamas. Enquanto o primeiro grupo (criado para atacar Israel mediante atos terroristas, mas, que, com o decorrer do tempo, partiu para o debate político, a exemplo do Sinn Fein, na Irlanda do Norte) se preocupa em construir um Estado palestino soberano e inserido na comunidade internacional (que implica no cumprimento da Resolução 282 das Nações Unidas e de acordos internacionais concernentes ao reconhecimento do Estado de Israel, tendo em vista a Resolução 181 de 1947), o Hamas insiste em querer varrer Israel do mapa, recebendo apoio de países como Síria e Irã.
Da mesma sorte, alguns israelenses, como os colonos localizados em áreas que foram demarcadas como palestinas pelos acordos de paz internacionais, vem dificultando os progressos no processo de pacificação da região.
De fato, fica difícil compreender como uma minoria ortodoxa consegue exercer seus interesses e atravancar o processo de paz na região, em que pese haver uma grande maioria de israelenses disposta a fazer concessões e a cumprir os acordos internacionais em troca de uma paz duradora. Se parlamentares ligados aos partidos Likud e Shas são resistentes ao diálogo com os palestinos e aos árabes, até aí, tudo bem, pela própria natureza destes partidos. Mas, não se pode compreender como um partido que se diz progressista, como o Partido Trabalhista, e que detém a maioria dos acentos no Parlamento (Knesset), não tem se revelado capaz de trazer a paz e a segurança aos israelenses.
Vê-se que o conflito árabe-israelense é muito mais complexo do que se pode imaginar. Sua complexidade decorre de fatores morais, éticos e políticos. Religião e política parecem servir tão somente para travar a efetividade dos acordos de paz internacionais, assinados e ratificados tanto pelo Estado de Israel como pela Autoridade Palestina, se é que ela ainda existe ou possui alguma legitimidade entre o povo palestino.
Ao que tudo indica, os entraves do processo da tão sonhada paz entre israelenses, árabes e palestinos (que é aspiração mundial) tem servido tão somente a alguns grupos interessados em se perpetuar no Poder. E falo isso com base em autores como Hannah Arendt, George Orwell e Raymundo Faoro, entre outros.
Digo categoricamente que não gosto da invasão do território palestino por tropas israelenses, apesar de entender que, as vezes, para que haja a paz, necessário é tomar medidas drásticas (juro que sou pacifista, mas não sou hipócrita), ainda mais quando a população civil é afetada. Mas alguém já ouviu falar em conflito armado em que a população civil sequer sofreu?
Também não acho que as autoridades israelenses gozam de uma inteligência mediana (e olha que estou sendo bonzinho).
Achar que se pode acabar com o problema de aversão ao Estado de Israel com a destruição do Hamas é pura tolice, para não dizer burrice. No lugar do Hamas, surgiriam outros grupos. Afinal, alguém já pensou o que será daquelas crianças órfãs palestinas, das mulheres viúvas e dos irmãos dos mortos? Simples: órfãos ou viúvas = rancor; rancor + pobreza + arma = terrorista com ódio a Israel, judeus e norte-americanos.
Será que os políticos israelenses e norte-americanos já pensaram nisso alguma vez. Está mais do que na hora de tanto Israel como os Estados Unidos repensarem suas políticas externas.
Não sou simpático a quem prega que a manutenção do Estado de Israel deva ser mediante o sacrifício de árabes, palestinos ou qualquer outro povo. Mas, muito menos sou a favor de quem usa uma camisa do Hezbollah, Hamas, com a suática nazista ou adota atitudes preconceituosas e agressivas, inclusive com palavras de ordem ao extermínio de judeus (ou a qualquer outro povo) e ao Estado de Isarel.
Os políticos israelenses, árabes e palestinos deveriam compreender que a manutenção de um Poder legítimo somente é possível quando este atende aos anseios da maioria; e, pelo que se tem sabido, a maioria é a favor da paz.
Ademais, deveriam fazer um estágio de convivência no Brasil, especialmente no complexo comercial localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro conhecido como Saara, onde os senhores Abraão, Samuel, Muhamad e Nacib trabalham há muito tempo próximos uns do outros, e almoçam juntos todas as sextas-feiras.
Aliás, voltando ao Brasil, que diretamente é minha (ou nossa) realidade, vejo que há um bocado de pessoas que se dispõe a falar sobre a invasão israelense em território palestino, como Gaza, sem, no entanto, se propor a estudar a história destes dois povos (devendo lembrar que israelenses e palestinos possuem uma origem comum e por isso ambos são considerados semitas) e complexidade das relações entre eles.
Acho inclusive que nós brasileiros poderíamos dar um exemplo prático de tolerância e diálogo aos israelenses, árabes e palestinos, principalmente aos fundamentalistas.
Mas, para tanto, precisamos fazer uma autorreflexão. Afinal, também somos intolerantes, fundamentalistas e, o que é pior, indiferentes as nossas injustiças sociais. Somos insensíveis a pobreza alheia, indiferentes a corrupção que nos assola há séculos e a violência que se abate sobre outras pessoas que não são do nosso círculo de amizade e parentesco. Basta lembrar como um jure popular consegue ter a sua consciência tranquila para inocentar um policial (representante na força estatal, cujo dever seria garantir a nossa segurança) que mata um menino por achar que o carro em que ele se encontrava com a família pertenceria a bandidos (ao que parece, na dúvida, o negócio é atirar, né?).
Isso sem esquecer o nosso racismo.
Certa vez, um colega meu negro ou afrodescendente (como os politicamente corretos fazem questão de grifar) me disse: “Cara, quando você está de terno é um advogado. Eu, quando estou de terno, ou sou motorista ou sou segurança”.
Também vigora ente nós a crença de que os judeus não são confiáveis e/ou pretendem dominar o mundo (a exemplo da alegação dos nazistas para assassinar cerca de seis milhões de pessoas).
Parece que vai tudo bem quando um grupo de pessoas se reúne. Conversa vai, conversa vem, até que alguém se declara judeu. Pronto, parece que o tempo fica cinza.
E quando alguém é apresentado a outras pessoas. “Bom gente, este é meu amigo Fulano de Tal. Ele é um advogado judeu”.
Por acaso já viram alguém ser apresentado assim? “Gente, esse é meu amigo Fulano de Tal. Ele é um advogado católico”.
E quando não vem aquela visão caricata das publicações do século XIX ou início do XX, de que todo judeu tem que ter pele clara e “aquele nariz”. Quando ficam sabendo que sou judeu, logo dizem: “Nossa, você é judeu?! Nem tem cara”.
E a associação de que todo judeu é rico. Em tempos de extorsão mediante seqüestro, fica até perigoso tal associação.
E os árabes? Quase sempre são vistos como terroristas em potencial ou são alvos de piadas neste sentido. Há uma conexão impulsiva no sentido de associar Árabe + Al Corão = Terrorismo.
Lembrando daquele jovem que trajava uma camisa do Hezbollah, fico me perguntando se ele também não usa uma camisa com uma imagem de uma favela ou periferia, com inscrições do tipo “Dignidade para os moradores das favelas!”, “Por um Brasil solidário e menos violento!” ou “Abaixo a corrupção!”.
Será que ele paga uma refeição quando um menino na rua (pois não existe menino de rua, e sim menino na rua) diz: “tio, tô com fome, paga uma comida pra mim?”. Será que ele levanta correndo o vidro do carro quando um daqueles malabaristas de sinal de trânsito vem pedir uns míseros trocados? Será que ele fica indignado quando presencia ou ouve algo sobre violência contra uma mulher? Será que ele toma alguma atitude quando sabe que há um caso de corrupção?”
Enfim, pensamos na paz universal, mas não somos capazes de refletir e adotar atitudes para uma paz entre nós brasileiros. As vezes fazemos questão de nos afirmar como universais e globais (refiro-me aqui a globalização), mas não passamos de radicais ignorantes provincianos. Vemos o mundo e as pessoas numa dicotomia que parece eterna como o conflito entre israelenses e palestinos - negro e branco; rico e pobre, heterossexual e homossexual; belo e feio; etc. Vemos ainda os argentinos (nossos vizinhos) como eternos inimigos, olhamos os imigrantes nordestinos como parte "daquela orda que só serve para trazer subsedenvolvimento", tratamos os turistas estrangeiros como "otários".
Conhecimento dos fatos, sabedoria, tolerância, respeito ao diferente, solidariedade e a vontade de mudar o mundo a partir de nós mesmos podem ser ferramentas para o começo de uma paz aqui e acolá.