quinta-feira, 15 de outubro de 2009

MUITO ALÉM DA LÓGICA


Numa quarta-feira, em março de 1980, cheguei ao edifício onde morava e me deparei com uma cena que jamais vou esquecer. Vi o Chico, nosso porteiro, bêbado e desolado.
Chico era um cara como tantos outros que tinham vindo do Nordeste, com sua família (mulher e sete filhos), em busca de uma vida melhor. Ele era da Paraíba.
Lembro que quando cheguei ao edifício, vi o Chico, naquele estado, sendo consolado por alguns moradores, inclusive pelo síndico, que parecia estar ora contrariado com o funcionário bêbado, ora com pena.
Mas, com pena de que?
Chico chorava copiosamente que nem uma criança.
Naquela quarta-feira, o improvável tinha acontecido, o Botafogo da Paraíba tinha vencido o Flamengo de Júnior, Zico, Andrade, Tita e Adílio (time que se seria campeão brasileiro naquele mesmo ano) por 2 a 1.
Nunca tinha perguntado ao Chico qualquer coisa sobre futebol. E pra mim a relação entre o Chico e o Botafogo da Paraíba parecia óbvia.
Pensei comigo: Pô, o cara é paraibano; lógico que deveria estar feliz com a vitória do time da terra dele.
Numa tentativa de alegrar o cara disse:
– Ô Chico, fica assim não rapaz, teu time da Paraíba venceu o Flamengo. Imagina, ver seu time vencer o Mengão, hein?
Foi aí que o Chico deu pra chorar mais ainda.
Fiquei constrangido. O tiro havia saído pela culatra.
Depois de mais choro, o Chico, com um tremendo bafo de cachaça, me falou o seguinte:
– Seu Carlos, eu torço é pelo Flamengo.
Foi aí que me dei conta de que estava enganado e que os “caras de lá” torciam pelos “times de cá”.
E ele ainda falou:
– O problema, seu Carlos, não foi o Botafogo ganhar o Flamengo. Marquei a vitória do Flamengo no jogo da loteria e com o Botafogo ganhando o jogo faltou um ponto pra eu fazer os treze!
O Chico tinha feito doze pontos na loteria esportiva e aquela zebra no Maracanã acabou com o sonho milionário do cara.
E o Chico dava a chorar.
O que dizer depois daquilo? Praticamente nada.
Coloquei a mão ombro dele e disse:
– É Chico... Bebe Chico, bebe.