quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

ABUSOS E OMISSÕES


Tento me conter, mas não consigo; ainda mais com alguns acontecimentos que não podem passar despercebidos pelos meus olhos e ouvidos.
Recentemente, aqui no Brasil, dois eventos me chamaram a atenção.
O primeiro deles se refere à iniciativa do Senado de aumentar o número de vereadores por todo o país, gerando um impacto de R$ 4,8 milhões anuais.
Li uma notícia que continha o seguinte teor:
“Com o plenário lotado de suplentes, numa sessão relâmpago e em rito sumário, o Senado aprovou na madrugada desta quinta-feira a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que recria 7.373 dos 8 mil cargos de vereadores cortados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2004, com apoio quase unânime dos governistas e oposição”. (http://oglobo.com. publicada em 19/12/2008. acesso em 07/01/2009).
O segundo evento diz respeito a gratificação de funcionários públicos por cursos de especialização.
“Câmara decide instituir bônus renegado pelo Senado. A chamada gratificação por especialização deveria ser destinada apenas a servidores com pós-graduação. Mas será paga também aqueles que detém cargo de chefia sem jamais terem estudado depois da faculdade” (Correio Braziliense. 08/12/2008, p. 1 e 4).
A tal gratificação pode gerar um impacto financeiro para o país de 4 milhões por mês.
Tais fatos, por si só, já me causariam indignação. Mas a situação se agrava quando penso que estamos num momento de crise financeira mundial, em que alteridade, poupança e prudência são palavras de ordem.
Fico me perguntando como há Propostas de Emenda a Constituição da República Federativa do Brasil (PECs) que são votadas nas casas legislativas federais em tão pouco tempo e mediante tamanha mobilização de nossos representantes populares. Mas, a reposta vem logo em seguida quando me lembro das várias modificações realizadas em nossa Constituição para atender a grupos específicos. E aquela concernente ao aumento do número de vereadores serve para ilustrar o fisiologismo dos representantes populares nas casas legislativas e como os mandatos políticos neste país tem servido para privatizar interesses públicos.
Sem querer me enaltecer, há algum tempo venho dialogando com pessoas sobre o fim do voto secreto dos nossos representantes nas casas legislativas – Congresso e Senado; Câmara dos Deputados Estaduais e Câmaras dos Vereadores.
Em que pesem alguns movimentos ainda isolados, no sentido de pôr fim a votação secreta dos parlamentares, estes alegam que o voto secreto por eles exercido nas casas legislativas possui amparo constitucional.
O voto secreto de parlamentares representou por muito tempo uma garantia contra as arbitrariedades cometidas por regimes como o militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.
O caso que envolveu o deputado Márcio Moreira Alves e o fechamento do Congresso e do Senado por ocasião da edição do Ato Institucional n° 5 (o famigerado AI-5), em 13 de dezembro de 1968, demonstram a importância de garantias aos parlamentares.
Entretanto, com o advento do Estado Democrático de Direito, cabe questionar se o voto secreto dos representantes populares nas casas legislativas ainda assiste razão.
Um projeto pelo fim da votação secreta dos representantes populares nas casas legislativas já foi proposto pelo então deputado federal Luiz Antônio Fleury, com vistas a alterar os artigos 52, 53, 56 e 66 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo a referida PEC recebido o número 349/2001.
O projeto em tela andou em várias comissões antes de parar em alguma gaveta, arquivado, provavelmente por não atender aos interesses dos representantes do povo brasileiro.
Não tenho qualquer temor em afirmar que a manutenção da votação secreta dos representantes populares nas casas legislativas é inconstitucional, pelos seguintes fundamentos de direito:
1) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 14, prevê que” a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (...)”.
O artigo 14 da Carta Magna se refere ao voto popular e aos mecanismos de decisão popular direta, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de lei.
O voto ali referido se refere ao “voto cidadão” e não ao “voto mandato”, ou seja, aquela manifestação que cada cidadão brasileiro possui como um direito fundamental, garantido constitucionalmente e protegido por instrumentos judiciais próprios.
Quando um parlamentar participa de uma votação em uma das casas legislativas federais, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, na verdade está manifestando (ou deveria manifestar) a vontade daqueles cidadãos que o nomearam como representante. Não se trata, portanto, de um voto pessoal do parlamentar, mas de uma manifestação popular a que ele representa. Daí o termo “voto mandato”.
2) Estabelece o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que:
“Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
Vê-se que pelo verbo “obedecerá”, trata-se de uma imposição e não uma faculdade (facultas agendi), de forma que todos aquelas pessoas envolvidas nos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e por analogia, os representantes populares nas casas legislativas estão obrigadas aos princípios ali descritos. Não se trata, pois, de um “querer”, mas de um “dever de obediência”.
Os princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 constituem uma das marcas indeléveis do Estado Democrático de Direito e a violação de qualquer um deles representa uma ameaça a própria democracia brasileira.
Aquele voto que cada cidadão brasileiro deixa na urna eletrônica ou em cédula de papel nos períodos de eleição há de ser sempre direto, secreto e com igual valor em relação aos demais votos, enquanto condição sine qua non para a nossa ordem democrática.
Todavia, ao contrário do voto exercido por cada cidadão em época oportuna, o voto do parlamenta deve ser transparente, uma vez considerados os princípios estabelecidos pelo artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, valendo lembrar, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Há muitos Projetos de Emendas a Constituição Federal (PECs) que parecem ter a máxima urgência, merecendo a atenção de nossos representantes populares nas casas legislativas, nos três planos – União, Estados e Distrito Federal e Municípios, sem que outras consideradas como relevantes sequer cheguem a despertar a atenção dos parlamentares ou mesmo a nossa.
No caso do fim da votação secreta dos parlamentares em assuntos que digam respeito aos nossos interesses (refiro-me aqui aos interesses de nós cidadãos), parece que tal proposta não tem despertado interesse de instituições oficiais como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre tantas outras, e mesmo de organizações não-governamentais que tenham como objeto a defesa da democracia e o combate a corrupção.
Confesso que desconheço os motivos, mas me pergunto se o silêncio das instituições acima mencionadas e de todos nós cidadãos tem ocorrido pela ausência de qualquer pretensão com relação ao tema ou pelo fato de ninguém querer se arriscar, colocando assim a cara a tapa.
Ou será que pensamos o seguinte: “bom, não vou falar no assunto, pois amanhã poderei ser um deles (um dos parlamentares)”.
Seria ingenuidade afirmar que o fim da votação secreta dos representantes populares serviria para solucionar todas as mazelas e para pôr um fim em jogos inescrupulosos envolvendo interesses públicos nas casas legislativas. Mas, a referida medida faria alguma diferença, já que nossos ilustres representantes seriam obrigados a assumir seus respectivos posicionamentos ou, como se diz no popular, “mostrar as caras”. Afinal, a democracia brasileira contemporânea pressupõe isso.

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