domingo, 18 de agosto de 2013

OSSOS E ESPÍRITO: E OS CROCODILOS?


Após muitos anos, retornei àquela casa que, há décadas, havia sido uma escola em que eu frequentei, em parte de meu ensino fundamental, lá pelos idos de 1980. Trata-se do Colégio Anglo-Americano, em botafogo, que agora é a sede do Instituto Daros na América Latina – a Casa Daros, como é conhecida –, cuja sede internacional fica na cidade de Zürich, Suíça.
Ao chegar àquela casa, logo de cara, deparei-me com um caixão fúnebre feito de lego, bem na entrada, com as cores da bandeira da Colômbia, eis que fazia parte de uma coleção artística de pessoas daquele país.
Naturalmente, aquela peça ali na entrada, subitamente, trouxe-me uma torrente de lembranças boas e outras ruins de meus tempos de escola. De qualquer forma, ao ver aquele mesmo caixão e com meus sentimentos, fiquei pensando em que medida ficamos “enterrados” ao passado, como, no caso, ao nosso passado juvenil. Afinal, alguém consegue esquecer os tempos de escola?
Comumente, trazemos algum souvenir do “cemitério” para nossa casa, como fotos, escudo da escola, carteirinha estudantil etc.
Assim, naquele dia, eu transitava pelo “mausoléu”, curioso com as obras de arte ali expostas e as alterações arquitetônicas da casa. O andar térreo, destinado ao Jardim de Infância e ao Curso de Alfabetização, agora, são um restaurante, uma sala de atividades lúdicas, uma biblioteca etc. No andar superior, antes com as salas das séries do Ensino Fundamental e Médio, no momento, abriga as salas de exposições  artísticas. No pátio, onde antes ficavam uma piscina e um parque, agora está livre; um espaço em que ocorrem atrações musicais, por exemplo. Do outro lado, onde era um teatro, fica um auditório, e por aí vai...
Depois de transitar por várias salas, me vi diante de uma peça retangular feita com vários ossos, ligados entre si. Pensei, pois, se após me deparar com aquele caixão na entrada e sentir-me, de alguma maneira, enterrado naquele espaço, não chegara a hora de exumar-me das minhas lembranças. Mas, a memória acaba por se tornar uma espécie de ponto de fusão entre lembranças. E na mesma sala dos ossos, havia uma gravação numa das paredes: “El crocodilo de Humboldt nos és el crocodilo de Hegel”.
Para aqueles que não sabem, Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander Von Humboldt (1769-1859) foi um geógrafo, naturalista e explorador prussiano, com contribuições à ciência. Seria ele inclusive o responsável pela introdução de expressões como “jurássico”, período terrestre que compreende entre 199 a 145 milhões de anos atrás.
Pois, o crocodilo é considerado um animal cuja origem remonta o período jurássico.
Quanto a Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) este é responsável pela filosofia na qual a mente teria em si um conjunto de contradições e oposições que ora se unem ora se opõe, sem, o entanto, se eliminarem.
Ainda com relação ao tal crocodilo, este se refere a uma arte de José Alejandro Restrepo, pelo que se pode entender a diferença de pensamentos de Humboldt e Hegel. Enquanto o primeiro formulou seu conhecimento no empirismo, mediante suas viagens para além do continente europeu, o segundo formulou sua tese no plano ideal, racional.
Aqueles ossos, aquele caixão, aquela mensagem na parede e aquela escola teriam o significado que tem para mim se lá eu não estivesse décadas atrás? As ideias dependeriam da experiência? As lembranças boas e ruins conseguiriam reduzir ou eliminar umas às outras? De Humboldt a Hegel.
Seja como for, meus ossos e meu espírito ainda “caminham” juntos. Mas, há um pouco de mim que ficou enterrado naquele espaço cultural que, um dia, foi uma escola onde estudei. Outra parte foi exumada e me acompanha ainda hoje. Memória minha lá, e memória da tal escola cá, comigo.
E, afinal, os crocodilos? Bom, acho que ainda estão lá pra quem quiser ver. Mas, não me engoliram...