segunda-feira, 20 de outubro de 2008

BULLYING


No final do ano de 1982, três jovens noruegueses, com idade entre 10 e 14 anos, se suicidaram. Deixaram relatos escritos sobre os maus-tratos que vinham sendo submetidos pelos colegas de escola, até o momento em que não mais suportaram, ceifando suas próprias vidas.
O caso tomou uma dimensão, que o governo da Noruega resolveu realizar um estudo sobre a violência em ambiente escolar, cabendo ao pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, a tarefa de iniciar os primeiros trabalhos acerca daquilo que ficaria conhecido internacionalmente como bullying.
A palavra bullying é oriunda da língua inglesa e serve para designar toda e qualquer forma de prática agressiva ou anti-social entre pares, ou seja, entre pessoas que possuem aparentemente características semelhantes.
A definição de bullying mais próxima de nossa realidade é a “violência entre pares”, termo utilizado em Portugal, que serve para expressar formas de agressão, sejam físicas ou morais, e comportamentos anti-sociais. Assim, pode-se definir bullying pelos verbos agredir, ameaçar, amedrontar, bater, brutalizar, caluniar, coagir, difamar, discriminar, humilhar, injuriar, isolar, quebrar pertences alheios, roubar pertences, violentar, vitimizar, xingar, zoar, zombar, etc.
Importa dizer que para que haja o bullying a prática agressiva ou anti-social há que ser reiterada e sem motivação aparente. Uma simples brincadeira, ainda que de mal gosto, por exemplo, não caracteriza bullying. O bullying somente se caracteriza quando uma das partes manifesta dificuldade em se defender frente às práticas reiteradas e sem motivo aparente.
Geralmente, o bullying envolve três protagonistas: autor (ou agressor), alvo (ou vítima) e espectador (ou testemunha).
O autor é aquele que pratica o bullying. A ele é atribuída a característica de pessoa com pouca empatia, convivente em ambiente familiar desestruturado e desequilibrado. Pratica o bullying como uma forma de chamar a atenção dos outros, em substituição à atenção ou limites que lhes são negligenciados pela família. Neste sentido, o autor pode ser tido como vitimizador e como vítima.
O alvo normalmente é considerado como uma pessoa com poucas habilidades físicas e/ou psíquicas para se defender das agressões. Possui pouca habilidade para se expressar e se envolver socialmente.
Há três tipos de alvo:
Alvo típico: aquela pessoa que se acha incapaz de se defender, não tem habilidade de fazer amigos com facilidade e é dotado de timidez ou introspecção. É esse tipo de pessoa que é considerada como “bode expiatório”.
Alvo provocador: aquela pessoa que freqüentemente se envolve em polêmicas e em situações que a colocam em risco. Acaba por atrair para si a atenção do grupo, inclusive dos autores de bullying.
Alvo agressor: é aquele que transmite as agressões sofridas para as outras pessoas. Depois de sofrer as agressões, sente necessidade de “extravasar”, direcionando sua fúria, mágoa ou rancor para terceiros.
Além do autor e alvo, há o espectador, pessoa que presencia a prática agressiva ou anti-social. Procura não se envolver, com o intuito de evitar se tornar o próximo alvo.
A prática do bullying pode se manifestar diretamente (agredir, ameaçar, bater, coagir, humilhar, etc.) ou indiretamente (difamar, isolar, etc.).
Hoje até já se conhece o cyberbullying, praticado por intermédio da rede mundial de computadores (internet) ou por outros meios tecnológicos como telefones celulares, bips, etc.
Há vários fatores que contribuem para a prática do bullying. Os autores, por exemplo, conforme já dito, convivem em ambiente familiar desestruturado, em que seus responsáveis exercem pouca ou nenhuma atenção ou vigilância. Imagine-se se uma criança ou adolescente que presencia seus pais se agredindo física e verbalmente, com freqüência, teria a capacidade de transmitir a outras pessoas um modelo de comportamento diverso daquele? Do mesmo modo, cabe a pergunta se é possível imprimir à criança e ao adolescente um paradigma diferente daquele presenciado na mídia, no trânsito, etc.
Fato é que a escola reproduz o mundo exterior, ficando difícil erradicar, ou pelo menos diminuir, a violência em tal ambiente se crianças e adolescentes trazem consigo valores e comportamentos agressivos e anti-sociais construídos nos seis familiares.
Neste sentido, a articulação entre a família, a escola, a sociedade e o Estado é de suma importância para que se construa aquilo que se chama “cultura de paz”.
Ao contrário do que muita gente pensa, o bullying não ocorre somente na escola. Pode acontecer em ambiente de trabalho onde se encontrem pessoas adultas. Basta que haja uma situação de igualdade hierárquica aparente.
Uma situação hierárquica assimétrica não pode ser caracterizada como bullying (violência entre pares), mas como mobbying (assédio), devendo ser tratado de outra forma.
A prática do bullying acarreta conseqüências de ordem psíquica, social e pedagógica.
As conseqüências psíquicas do bullying se manifestam principalmente pelo abalo na auto-estima da pessoa, o que acaba por gerar efeitos em sua própria intimidade e na imagem que projeta perante as outras pessoas.
Associadas às conseqüências psíquicas, as repercussões sociais se verificam pelo comprometimento que a pessoa tem em se relacionar com outras. Além de lhe criar dificuldades em ambiente escolar ou de trabalho, pelo baixo desempenho, provoca ainda comprometimento no nível afetivo.
Por fim, as conseqüências pedagógicas aparecem pela dificuldade na aprendizagem e na construção intelectual da pessoa.
As conseqüências do bullying podem ser tão devastadoras que somente o apoio profissional especializado pode diminuí-las.
Desde os estudos iniciados pelo pesquisador norueguês Dan Olweus, inúmeros outros estudos foram realizados ao redor do mundo, assim como vários programas anti-bullying já foram implementados, cabendo menção àqueles promovidos pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), em 2002, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, e por intermédio da pesquisadora Cleo Fante, em São Paulo.
Atualmente, os pesquisadores Sueli Barbosa Thomaz e Robert Lee Segal se encontram envolvidos na análise da violência em ambiente escolar, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), a fim de coletar dados mais recentes e captar as vivências que crianças e adolescentes possuem com a violência, bem como analisar como estas vivências e subjetividades se manifestam em ambiente escolar.
O Instituto Brasil Direito (IBD) também vem trabalhando junto a algumas instituições de ensino no estado do Rio de Janeiro no desenvolvimento de programas que visam a redução da violência em ambiente escolar e a formação de uma consciência cidadã fundada na tolerância, no respeito ao diferente e na solidariedade, elementos característicos de uma sociedade democrática e pacífica.
A negligência por parte das famílias, instituições de ensino, sociedade e Estado em tratar a questão do bullying acaba por gerar situações como aquelas ocorridas em Columbine, em 1999, em Virginia Tech, 2007 (Estados Unidos), Taiúva (São Paulo), em 2003, Remanso (Bahia), em 2004, e Silva Jardim (Rio de Janeiro), no ano de 2008.
Resta saber o que queremos para nossos descendentes e em qual mundo desejamos que eles vivam.

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