sábado, 23 de maio de 2009

CHAPEUZINHO VERMELHO: análise de um conto infantil no atual contexto político e jurídico brasileiro.

Era uma vez,
Numa aldeia pequenina, uma menininha linda como uma flor; sua mãe gostava muito dela, e sua vovozinha ainda mais.
Esta boa senhora lhe fizera um chapeuzinho vermelho que assentava tão bem que em toda parte ela era conhecida como a Menina do Chapeuzinho Vermelho.
Um dia, sua mãe fez uns biscoitinhos muito gostosos e lhe disse:
– Vá saber notícias da vovozinha porque me contaram que ela está doente; leve estes biscoitinhos para ela e este potinho de manteiga. Chapeuzinho vermelho saiu logo para ir visitar sua vovozinha, que morava em outra aldeia.
Passando por um bosque, encontrou o compadre lobo, que ficou louco de vontade de comê-la; não teve coragem, porém, apenas por causa de uns lenhadores que estavam na floresta.
O lobo perguntou então a Chapeuzinho Vermelho para onde ela ia. A pobre menina, que não sabia que conversar com o lobo é coisa muito perigosa, respondeu-lhe:
– Vou visitar minha vovozinha e levar uns biscoitinhos e um potinho de manteiga que minha mãe fez para ela.
– Ela mora muito longe daqui? Perguntou o lobo.
– Muito longe, respondeu-lhe Chapeuzinho Vermelho; depois daquele moinho que o senhor está vendo lá longe, é a primeira casa.
Muito bem! Disse o lobo, eu também quero ir visitar sua vovozinha; eu vou por este caminho e você vai por aquele; vamos ver quem chega primeiro! O lobo começou a correr o mais que podia pelo caminho mais curto; a menininha foi pelo mais comprido, divertindo-se em colher frutinhas, em correr atrás das borboletas e em fazer ramos com as florezinhas que encontrava.
O lobo não demorou a chegar à casa da avozinha; bateu, bateu na porta, toc, toc, toc...
– Quem está aí?
– “É a sua netinha, Chapeuzinho Vermelho”, disse o lobo, imitando a voz da menina, “que vem lhe trazer uns biscoitinhos e um pote de manteiga que mamãe mandou”.
A boa vovozinha, que estava na cama por achar-se doente, gritou-lhe:
– A porta está aberta, entre.
O lobo abriu a porta e entrou na casinha da vovó.
Então ele atirou-se em cima da vovozinha e devorou-a num instante, porque fazia três dias que não comia.
Depois fechou a porta e foi-se deitar na cama da vovozinha esperando Chapeuzinho Vermelho, que pouco depois também batia na porta, toc toc, toc...
– Quem está aí?
Chapeuzinho Vermelho, ouvindo a voz grossa do lobo, teve um pouco de medo, mas depois, pensando que talvez sua vovozinha estivesse resfriada, respondeu:
– É a sua netinha, Chapeuzinho Vermelho, que lhe vem trazer uns biscoitinhos e um potinho de manteiga que a mamãe lhe mandou.
O lobo, abrandando um pouco a voz, lhe diz:
– A porta está aberta, entre!
Chapeuzinho Vermelho girou a maçaneta e a porta da casinha da vovó abriu-se. Ela foi direto para o quarto da vovozinha, pois a mesma, ainda adoentada, estava na sua cama.
O lobo já tinha colocado uma touquinha da vovozinha e seus óculos de leitura, os quais estavam na cômoda ao lado da cama, tentando assim enganar e confundir a menininha.
Quando o lobo a viu entrar, tentou fazer uma voz mais fraquinha, imitando a vovozinha:
– Põe os biscoitinhos e o potinho de manteiga em cima da mesa e sente-se ao meu lado aqui na cama!
Chapeuzinho Vermelho tirou o chapeuzinho e foi para perto da cama, onde ficou muito espantada por ver a sua avozinha tão diferente.
Ela lhe disse:
– Como você tem braços compridos, minha vovozinha!
– É pra te abraçar com força, minha netinha!
– Como você tem as pernas compridas, vovozinha!
– É pra correr depressa, minha netinha!
– Como você tem as orelhas grandes, minha vovozinha!
– É pra te ouvir melhor, minha netinha!
– Como você tem olhos grandes, minha vovozinha!
– É pra te enxergar melhor, minha netinha!
– Como você tem os dentes pontudos, vovozinha!
– É pra te comer! E, dizendo isto, jogou-se sobre Chapeuzinho Vermelho e devorou-a.
O lobo, farto de tanta comida, tornou a deitar-se na cama; dormiu e começou a roncar, fazendo um barulhão!
Ora, aconteceu que por ali passou um caçador. E, ao passar ao lado da casa, ouviu o ronco do lobo pela janela do quarto da vovozinha.
– Meu Deus, como a vovozinha está roncando alto! Vou entrar para ver se ela está doente.
O caçador entrou no quarto, e quando chegou perto da cama viu que era o lobo que roncava todo satisfeito.
– Ah, ah, até que enfim te peguei, seu patife! Já não era sem tempo.
Quando ia pegar na espingarda para matá-lo com um tiro, lembrou-se que o lobo com certeza comera a vovozinha, mas talvez ainda houvesse jeito de salvá-la.
Então, em vez de atirar, pegou uma tesoura muito grande e abriu a enorme barriga do lobo, que não parava de roncar. Mal tinha dado duas tesouradas e viu aparecer Chapeuzinho Vermelho, mais duas tesouradas, e a menina pulava no chão!
– Como eu tive medo! Estava tão escuro dentro da barriga do lobo! Depois, a vovozinha saiu também, mal respirando, mas ainda viva.
Então, Chapeuzinho Vermelho foi depressa buscar uma pedras e com elas os dois encheram a barriga do lobo.
Quando ele acordou e viu toda aquela gente, quis fugir da cama, mas as pedras eram tão pesadas que ele caiu no chão com toda a força e morreu no mesmo instante.
Então os nossos três amigos ficaram muito aliviados; o caçador tirou a pele do lobo e voltou pra casa; a vovozinha comeu os biscoitinhos e o potinho de manteiga que Chapeuzinho Vermelho lhe trouxera e achou-os deliciosos.
E Chapeuzinho Vermelho disse:
– Nunca mais vou desobedecer à mamãe correndo no bosque e conversando com o lobo mau!

Este conto infantil vem sendo transmitido de geração em geração. Trata-se de um conto sobre uma menina, Chapeuzinho Vermelho, que deu conversa ao lobo mau e quase acabou mal.
Pela história, graças à ajuda de um caçador, Chapeuzinho Vermelho e sua avó foram salvas.
De fato, é um conto infantil, mas que no atual contexto, tornou-se política e juridicamente incorreto, de acordo com as anotações a seguir expostas:
Em primeiro lugar, vê-se que o conto em tela induz ao pensamento de que o lobo é mau só porque manifestou seus próprios instintos. Faz referência à uma menininha boazinha e a um lobo mau, preverso, voraz.
Ademais, pela leitura deste conto, pressupõe-se que Chapeuzinho Vermelho é uma criança, estando, por isso, sob o amparo da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, ao determinar que Chapeuzinho Vermelho partisse sozinha pela floresta, rumo à casa de sua avó, a mãe daquela violou o Estatuto da Criança e do Adolescente. A mãe de Chapeuzinho Vermelho foi negligente para com esta, podendo ser responsabilizada, segndo o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ora, ademais, se a mãe de Chapeuzinho Vermelho tinha notícias de que a avó desta estava doente, porque então não foi vê-la pessoalmente? Afinal, era sua própria mãe! Por que mandou a neta?
Demonstra-se claramente a ausência de assistência da mãe de Chapeuzinho Vermelho com uma idosa. Tal conduta constitui violação à Lei n° 10.741, de 1° de outubro de 2003, denominada Estatuto do Idoso. Trata-se, pois, de um típico caso de negligência com uma pessoa idosa.
Vê-se ainda que o lobo é um pedófilo! Há todo momento ele assedia Chapeuzinho Vermelho.
O lobo cometeu ainda crimes como: invasão de domicílio; tentativa de homicídio (pois há que se lembrar que Chapeuzinho Vermelho e sua vovozinha foram resgatadas da barriga daquele, ainda com vida); e falsidade ideológica, eis que o lobo se fez passar por Chapeuzinho Vermelho e por sua avó.
Mas o lobo seria o único vilão deste conto?
Claro que não! Afinal, o caçador, Chapeuzinho Vermelho e sua avó, em conluio de vontades, praticaram maus-tratos em espécie animal (abriram a barriga do lobo com uma tesoura, enquanto este ainda estava vivo, e lá inseriram pedras). Portanto, o caçador e a avó de Chapeuzinho Vermelho cometeram o crime descrito no art. 32 da Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. Tal fato ainda foi agravado pela morte do lobo e pela apropriação da pele do lobo pelo caçador.
E o caçador? Tinha licença para exercer tal atividade?
Hum..., no caso do caçador, por si só, já demonstra que este cometeu crime ambiental, pois a Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, proíbe tal atividade.
Mas, nem Chapeuzinho Vermelho escapa, porque, na condição de menor, cometeu aquilo que se chama ato infracional (ato análogo a crime de maus-tratos em animal), podendo sofrer as medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ah, pensaram que havíamos esquecido os lenhadores? Evidente que não, eis que também cometeram crime contra o meio ambiente, já que, naturalmente, também não possuíam licença para a derrubada de árvores. Estavam na floresta fazendo o quê?
Viram? Tá todo mundo “enquadrado”!
E ainda reclamam? Ah, se isso tivesse acontecido no período da Ditadura militar, Chapeuzinho Vermelho (viram a cor do chapeuzinho?!) estaria ferrada! Poderia ser taxada de “subversiva”, comunista, e acabaria no “pau-de-arara”, na “cadeira do dragão”, na “geladeira”, no choque elétrico, etc.
Entenderam o conto de Chapeuzinho Vermelho no atual Estado Democrático de Direito? E viram como uma assessoria jurídica é importante?
Pois é, podem rir.
Até mais, com outro conto.