domingo, 22 de maio de 2011

Express@ndo, com Wanderley Rebello.




Wanderley Rebello Filho é advogado criminalista. No ramo desde a década de 1980, atua em áreas como meio ambiente e direitos humanos. Já dirigiu as comissões de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro. Atualmente, preside a Comissão de Políticas sobre Drogas (CPD) daquela instituição, além de nela ocupar o cargo de Secretário Geral Adjunto. Também preside a Comissão de Meio Ambiente e Esporte da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) e é diretor do Instituto de Estudos de Direitos Humanos e Meio Ambiente (IEDHMA). E, como se isso tudo não bastasse, ainda se dedica à produção de obras acadêmicas e às aulas, já que é professor em uma instituição particular de ensino localizada na cidade do Rio de Janeiro.
Robert Segal: De acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), um levantamento realizado em 2007 mostrou que entre 155 a 250 milhões de pessoas no mundo, entre 15 e 64 anos de idade, usaram algum tipo de droga ilícita aproximadamente, tais como cocaína, maconha e heroína, entre outras drogas, em um mercado que movimentaria aproximadamente 320 milhões de dólares, segundo estimativas. Como o senhor vê este fenômeno?
Wanderley Rebello: A curiosidade e os amigos (sic) influenciam estas estatísticas. Nem todos se tornam dependentes, alguns param, outros se tornam usuários eventuais. A proibição também estimula a curiosidade. Mas, acho que a tendência é de aumentar o número de usurários, eventuais ou não, em razão deste mundo cada vez mais conturbado. O poder público não se ocupa do problema como deveria, a carência (de tratamentos, clínicas, campanhas contra) é imensa.
Robert Segal: O senhor ocupa a direção da Comissão de Políticas de Drogas da OAB/RJ e, naturalmente, tem que lidar com um dos temas mais polêmicos da sociedade brasileira. E, pelo que se sabe, a referida comissão é constituída por pessoas favoráveis e contrárias à liberação ou regulamentação das drogas. Com o senhor faz para mediar os interesses conflitantes naquela comissão?
Wanderley Rebello: Liberdade total de expressão. Gestão democrática. Não poderia ser diferente. O respeito ao pensamento e à opinião alheia são mais importantes do que a minha própria opinião.
Robert Segal: Qual é a proposta da Comissão de Drogas da OAB/RJ?
Wanderley Rebello: Debater o tema democraticamente, e investir na prevenção pela educação. Principalmente, é este o nosso papel.
Robert Segal: Muito se tem falado sobre liberação, legalização e regulamentação de drogas ilícitas. Qual a real distinção entre liberação e legalização e/ou regulamentação?
Wanderley Rebello: Acho que, com o surgimento do crack, as campanhas pela liberação perderam a força. Legalizar para mim é utopia, porque deixando de proibir torna-se legal. Não há necessidade de lei dizendo que pode! O ideal seria uma regulamentação sobre o uso de quaisquer drogas, inclusive cigarro, álcool, estimulantes, anabolizantes, maconha, cocaína, etc. Apesar de ser favorável a outra política de combate ao uso – mais liberal – sou contra o uso de quaisquer das drogas acima em público!
Robert Segal: Atualmente, vigora no Brasil uma lei que não considera o usuário de drogas consideradas ilícitas, como, por exemplo, cocaína e maconha, passível de punição criminal. Isso é verdade? No caso, o que determina a lei?
Wanderley Rebello: Hoje o usuário é apenas admoestado pelo juiz, ou seja, leva uma bronca. Ele pode ou não aceitar se tratar, caso não aceite, vem a bronca. Mesmo que ele seja reincidente. A história, e foram mais de 30 anos com a Lei 6.368/76, mostrou que a cadeia só piorou os usuários que nela ingressaram: ou usaram mais drogas, e/ou se tornaram traficantes.
Robert Segal: Tramita no Congresso brasileiro uma proposta de descriminalização dos chamados “pequenos traficantes”. O senhor confirma essa informação? O que seriam esses denominados “pequenos traficantes”? E o que seria feito com eles, de acordo com o projeto de lei que tramita no Congresso?
Wanderley Rebello: O projeto é no sentido de pena alternativa para eles, de prestação de serviços à comunidade, entre outras. Hoje o traficante que não almeja lucro tem pena menor do que o verdadeiro traficante, que faz do crime o seu meio de vida, de lucro. O pequeno traficante, o privilegiado, é aquele que compra um pouco mais para compartilhar a droga. É o incauto!
Robert Segal: Então, ao que parece, há no país uma intenção por parte de governos, de alguns parlamentares e de determinados seguimentos sociais pela redução do número de pessoas reclusas em instituições penais? Diminuir a população carcerária, este seria o caminho?
Wanderley Rebello: Claro. Dezenas de pequenos traficantes não são violentos, não pegam em armas. Deram azar, não compraram drogas para vender mais caro. Não merecem ir para a cadeia.
Robert Segal: Fala-se em drogas ilícitas, tais como cocaína, maconha, heroína e ecstasy, aquela substância muito consumidas por jovens em festas com música eletrônica, as chamadas raves. No entanto, há um grande consumo de drogas consideradas lícitas, como o tabaco e as bebidas alcoólicas. Como o senhor assiste a este cenário em que se reprova o uso de drogas como cocaína, maconha, heroína, entre outras, mas que se permite o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas?
Wanderley Rebello: É um cenário hipócrita. Cigarro e álcool matam mais do todas as drogas ilícita juntas, e no entanto há campanhas na televisão incentivando o consumo de álcool. O tema ainda é tratado com muita hipocrisia no mundo todo, por causa das campanhas americanas de repressão, que a quase todos os países influencia.
Robert Segal: O que o senhor teria a dizer aos jovens e seus pais sobre o consumo de drogas, considerando que o senhor é pai de quatro filhos, entre eles, dois adolescentes?
Wanderley Rebello: Eterna vigilância! Muito amor, muito papo, mas eterna vigilância. Os pais têm que estar atentos aos sinais, e eles existem!

quinta-feira, 28 de abril de 2011

SE VIVO, ADOLF HITLER ADORARIA CONHECER CERTOS TORCEDORES E IR A ESTÁDIOS.




Observando o comportamento de determinadas pessoas nas redes sociais (na internet), ouvindo comentários nas ruas e vendo um jogo do Flamengo, fiquei pensando se Adolf Hitler e seu secto não abririam uma filial no Brasil, se fossem vivos, em pleno século XXI. Isso, sem esquecer a galera da Klu Klux Klan. "Vão se f... bando de favelados!", "Time de crioulo sujo!", "Bando de preto ladrão!" etc. foram comentários que ouvi nas ruas, numa cidade dita cosmopolita como o Rio de Janeiro, e li no Facebook, considerado pelos usuários e especialistas como o ambiente cibernético da democracia. Se então a democracia se baseia neste paradigma preconceituoso, fico me perguntando se a ironia, a piada, o riso, a graça, a gozação, típicas do povo brasileiro, amante do futebol, não descambam para o fundamentalismo, característico de grupos extremistas como os hooligans, os skinheads, os integralistas, os nazistas, os fascistas etc. Acho que há pessoas e grupos que não aprenderam o que é democracia e que ainda não aceitam a diversidade. Tal fato vem ocorrendo no mundo inteiro, como o caso de torcedores de clubes ingleses de futebol em face dos atletas de origem judaica (chamados pejorativamente de Yid), do torcedore do clube russo Zenit que ofereceu uma banana ao jogador Roberto Carlos e da casca de banana arremessada no campo, por um adolescente alemão, próximo ao jogador Neymar, numa partida entre Brasil e Escócia, em Londres, do técnico da seleção espanhola de futebol, Luis Aragonés, que chamou o jogador Tierry Henry de "preto de merda", da torcida do Lazio, clube italiano, que foi vista em estádios com a bandeira contendo a suática. Houve, inclusive, um caso de racismo envolvendo o jogador do Quilmes da Argentina e o jogador do São Paulo Edinaldo Batista Libânio, o Grafite, durante uma partida válida pela Libertadores de América. Mas, refiro-me aqui, particularmente, à realidade brasileira. E o pior é que acabamos aderindo ao raciocínio dos extremistas ou fundamentalistas, mesmo sem querer, fazendo uma piada ou ironizando quem gosta de um outro time que não o nosso. Flamenguistas e corintianos costumam ser associados a "pretos" ou "ladrões", quando não os dois juntos. Os coritnianos recebem ainda o apelido de "gambás", pois seriam sujos, fedorentos. Torcedores do Fluminense e São Paulo são apelidados de "gays", "viados", "bambis" (aquel cervo, personagem criado por Walt Disney). Além disso, vemos torcedores se agredindo e matando uns aos outros nos estádios de futebol e nas redondezas. Tudo isso muito "legal," "divertido", "engraçado"... Aí, não poderemos nos espantar quando, em uma noite, recebermos um telefonema de uma delegacia de polícia, informando que nosso filho, neto ou irmão mais novo participou de um massacre de um torcedor de um time adversário... E ele nem precisará tatuar uma suástica em seu corpo ou fazer a saudação Sieg Heil!, com amão estendida, pois o radicalismo estará em sua mente e em seu coração. Enquanto isso, pais, avôs, tios, irmãos mais velhos etc. dirão: "Eu chamo os torcedores adversários de crioulos, fedorentos, gays, viados, ladrões, porcos, sujos, apenas de brincadeira. É só brincadeirinha..." E quem disse que os nazistas choravam quando mandaram judeus, testemunhas de jeová, homossexuais, deficientes físicos e mentais para as câmaras de gás? Eles naturalmente riam, brindavam e ouviam suas músicas, num regozijo macabro, e dizendo queimem judeuzinhos sujos, religiosos infames, homossexuais doentios, alejadinhos de merda, mongolóides desgraçados... Tudo isso, num tom de brincadeira; uma brincadeira macabra e que custou milhões de vidas.

quinta-feira, 3 de março de 2011

PROTEÇÃO DA VIDA E LEGISLAÇÃO PENAL: uma relevante questão de fundo.


1960
Neyde Maria Lopes ficou conhecida como a “A Fera da Penha”, devido a um caso que chocou a sociedade na década de 1960. Ela sequestrou, assassinou e queimou o corpo de Tânia Maria Coelho Araújo, de 4 anos de idade, nos fundos de um matadouro na Penha, na cidade do Rio de Janeiro. Neyde Maria Lopes foi condenada a 33 anos de prisão, tendo cumprido 15 anos e saido da institutição prisional em livramento condicional.
Segundo as notícias da época e as investigações policiais, Neyde Maria Lopes (“A Fera da Penha”), então com 22 anos de idade, mantinha um caso com Antônio Couto Araújo, desde que se conheceram na Central do Brasil, no ano de 1959.
Ao saber que Antônio Couto Araújo era casado, Neyde Maria Lopes exigiu que ele deixasse sua mulher, Nilza Coelho Araújo, e suas duas filhas. Mas, diante a negativa de Antônio, e cansada de ser “a outra”, Neyde resolveu se vingar. Aproximou-se da família de Antônio, ganhando a confiança da mulher deste, e escolheu Tânia Maria Coelho Araújo, a “Taninha”, como a vítima para seu projeto de vigança.
Em 30 de junho de 1960, Neyde Maria Lopes, fazendo-se passar por Nilza Coelho Araújo (mulher de Antônio Couto Araújo), telefonou para a escola onde Taninha estudava, avisando que uma vizinha iria apanhar a menina.
Ao chegar à escola onde Taninha estava matriculada, sua mãe, Nilza ficou sabendo do ocorrido, vindo a chamar a polícia. Enquanto isso, Neyde ficou andando com Taninha por várias horas pelas ruas da cidade, sem rumo certo. Parou na casa de uma amiga e em uma farmácia, onde comprou álcool.
Neyde Maria Lopes executou Tânia Maria Coelho Araújo, uma menina de 4 anos, com um tiro na cabeça e ateou fogo em seu corpo.
Mesmo após vários iterrogatórios e a confrontação com os pais de Tânia Maria Coelho Araújo, a Taninha, Neyde Maria Lopes sempre negou a autoria do crime bárbaro, até sua confissão definitiva ao radialista Saulo Gomes, dando-lhe detalhes sórdidos do ocorrido.
Por sus frieza e premeditação, Neyde Maria Lopes recebeu o apelido de “A Fera da Penha”.
De acordo com algumas fontes, Neyde vive na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, pouco conversa com os vizinho e fica reclusa em sua casa.
2011
Luciene Reis Santana, de 30 anos, sequestrou e matou a menina Lavínia Azeredo de Oliveira, de 6 anos, em um quarto de hotel no centro de Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro.
Segundo as investigações policiais, a morte de Lavínia foi motivada pela decisão de Rony dos Santos Oliveira (pai de Lavínia e casado) em romper o relacionamento extraconjugal que matinha com aquela, além da recusa do pagamento da importância de 2 mil reais.
As investigações apontam que Luciene Reis Santana retirou Lavínia Azeredo de Oliveira da residência onde vivia com seus pais, vagou coma menina pela cidade, apanhou um ônibus e a levou ao hotel no centro de Duque de Caxias, onde a matou por asfixia, medante o usos de um cadarço de tênis.
Funcionários do hotel contaram à polícia que encontratam Lavínia com a cabeça enrolada em uma toalha e que, a retirarem a toalha, seu rosto estaria desfigurado e ensanguentado.
Após negar o crime, Luciene Reis Santana finalmente confessou sua autoria.
A previsão dos especialistas é que Luciene Reis Santana seja condenada a uma pena de aproximadamente 30 anos de reclusão.
Assim como Neyde Maria Lopes (“A Fera da Penha”), Luciene Reis Santana matou uma menina em tenra idade. Tânia Maria Coelho Araújo tinha 4 anos quando foi assassinada por Neyde. Lavínia Azeredo de Oliveira tinha 6 anos.
Neyde foi condenada a uma pena de reclusão de 33 anos, e cumpriu 15 anos, tendo saído da prisão em livramento condicional.
Provavelmente, pelas provas colhidas pela polícia, Luciente também será condenada à pena de reclusão, sendo também beneficiada pela progressão do regime penal.
A Luciente está sendo imputada a autoria do crime de homicído (art 121) qualificado (art. 121, 2º), por ter cometido um crime por motivo futil (inciso II), pelo emprego de asfixia (inciso III) e pela impossibilidade da vítima, no caso Lavínia Azeredo de Oliveira, de 4 anos, em se defender, cuja previsão da pena é de reclusão de 12 a 30 anos.
Uma relevante questão de fundo
Muito se tem debatido no Brasil sobre os crimes e acerca das penas correlatas. Se por um lado há o clamor para o aumento de penas e a restrição dos benefícios dos condenados, por outro exietm aqueles que defendem o “esvaziamento dos presídios”, a “intervsão mínima do Estado no âmbito penal” ou a “individualização da pena”, como, por exemplo, optaram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação aos benefícios aos condenados memos por crimes tidos como hediondos (homicído praticado por grupo de extermínio, homicídio qualificado, latrocínio, extorsão qualificada pela morte da vítima, extorsão mediante sequestro, estupro, estupro de vulnerável e epidemia com resultad morte).
No país ainda vigora o Código Penal instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 07/12/1940, e o Código de Processo Penal instituído pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 03/10/1941, ainda que os mencionados diplomas legais tenham recebido alterações posteriores.
Dizem algumas pessoas que não se deve fazer alterações legais considerando o clamor da população diante de casos de crimes.
De fato, há exemplo da inclusão do homicídio qualificado na Lei nº 8.072 de 25/07/1990 como crime hediondo, cuja proposta foi encabeçada pela autora de novelas Glórias Perez, após a assasinato de sua filha, a atriz Daniela Perez, com 18 estocadas (não se sabe se de tesoura, faca ou punhal, que atingiram os pulmões, o coração e o pescoço da atriz) dadas pelo então ator Guilherme de Pádua e Paula Thomaz.
Mas, voltando aos casos de Tânia Maria Coelho Araújo e Lavínia Azeredo de Oliveira, pode-se ver claramente que não houve, como também não haverá o cumprimento integral da pena imposta pelo Tribunal do Jurí (juízo competente para julgar crimes contra a vida, tentados ou consumados).
No caso dos assassinos da atriz Daniela Perez, estes também se valeram dos benefícios estabelecidos pela lei processual penal brasileira.
Isabella Nardoni é um outro exemplo de homicídio cometido contra uma criança. Isabella, então com 5 anos de idade, foi arremessada pela janela de onde morava, por seu próprio pai Alexandre Nardoni e sua madrasta Anna Carolina Jatobá, de acordo com as investigações da polícia e a denúncia do Ministério Público de São Paulo.
Alexandre Nardoni foi condenado pelo Tribunal do Júri do Estado de São Paulo à pena de 31 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, enquanto Anna Carolina Jatobá recebeu a pena de 26 anos e 8 meses.
Mais um caso em que, naturalemente, pelo que dispõe a legislação nacional e de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), os autores de um crime considerado hediondo deixarão os presídios antes do cumprimento integral da pena que foi-lhes imposta.
Nestes casos, ficam então alguns questionamentos:
Se não se deve modifcar a legislação penal e processual penal considerando o clamor da opinião pública por práticas delituosas, por que então Luciene Reis Santana deverá gozar dos mesmos benefícios que Neyde Maria Lopes, cujo crime bárbaro, ou hediondo, foi praticado há mais de 50 anos?
Assim, não estaria também a lei, pois, contribuindo para a prática de crimes hediondos como aqueles cometidos por Neyde Maria Lopes e Luciene Reis Santana, além dos exemplos de Daniela Perez e Isabella Nardoni, aqui trazidos, entre tantos outros?
Não estaria o sistema jurídico-legal brasileiro contrubuindo para a banalização da vida nesta país?
Será a civilização juidaico-cristã, como no caso, a brasileira, muito compassiva para com os algozes e tão indiferente ao valor da vida?
Quantas pessoas mais e, especialmente, crianças hão de morrer para que o legislador e as pessoas togadas (vide ministros do STF) entendam que a lei deve atender à proteção da vida e não aos benefícios daqueles que a banalizam.
Então, o que valem a vida, senhores deputados e ministros do STF, o caso mal correspondido, 2 mil reais, uma moto etc.?
Em breve, um debate sobre a prisão perpétua e a pena de morte...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Express@ndo

Neste mês, estréia este espaço dedicado à expressão de pessoas que atuam em questões de grande relevância social e que, na crença por um mundo transformado, compartilham suas ideias, suas iniciativas e seus trabalhos. E a primeira pessoa entrevistada é Fernanda Vieira, psicólogca e coordenadora da Casa Lar Mangueira, uma instituição localizada na cidade do Rio de Janeiro, responsável pelo acolhimento material e afetivo de jovens do sexo masculino com deficiência física, mental, psíquica e/ou sensorial.

Express@ando, com Fernanda Vieira.




Fernanda Vieira é formada em Psicologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em Saúde Mental e Desenvolvimento Infanto-Juvenil pela Santa Casa de Misericórdia do RJ. Há cerca de 7 anos coordena a equipe que trabalha na Cara Lar da Mangueira, instituição desenvolvida pelo GRES Estação Primeira de Mangueira, que é responsável pelo atendimento de aproximadamente vinte jovens, do sexo masculino, portadores de deficiência física, mental, psíquica e/ou sensorial. Fernanda conduz a batuta de uma equipe com 20 funcionários. Casada e mãe de Maria Clara, Fernanda se dedica da maneira quase integral ao atendimento daqueles jovens, fazendo um malabarismo entre as suas atribuições, o atendimento clínico em seu consultório e sua vida doméstica. Seu grau de comprometimento se dá de forma tão intensa que carrega, às vezes, sua filha para o trabalho e, frequentemente, leva tarefas pra casa. Numa visita à Casa Lar Mangueira, pode-se observar a dedicação de Fernanda e dos funcionários, além de perceber que a instituição vai contra o estereótipo de “depósito de gente”. Mas, mesmo com muita dedicação, Fernanda garante que há muito a se fazer.
Robert Segal: Naturalmente, o que as pessoas querem saber, é como uma jovem psicóloga foi parar na Casa Lar Mangueira. O que te levou a esta instituição e a trabalhar com este público específico, ou seja, jovens com deficiência física, mental, psíquica e/ou sensorial?


Fernanda Vieira: Comecei minha jornada no Programa Social da Mangueira ainda como acadêmica da UERJ, através de um estágio no Posto de Saúde Mangueira, localizado dentro da Vila Olímpica da Mangueira. Por dois anos acompanhei os grupos terapêuticos com idosos, hipertensos e mulheres no climatério (menopausa). O envolvimento com o projeto social foi tão grande que quis dar continuidade às atividades com idosos e, já como profissional formada, fiquei como voluntária por cerca de 6 meses. Em meados de 2000, fui contratada pelo Projeto Olímpico como Psicóloga para dar suporte ao “Projeto Estação Primeira da Melhor Idade” e “Projeto para Pessoas com Necessidades Especiais”. Uma vez nesse universo de pessoas, famílias e histórias muito especiais, tornou-se impossível me desvencilhar. Em Maio de 2003, iniciamos o desafio de assumir a Coordenação da Casa Lar Mangueira, uma instituição criada para acolher crianças e adolescentes com deficiência, transferidos de uma instituição que estava passando por desajustes administrativos e sob intervenção da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Estado do Rio de Janeiro. Na verdade, acho que não fomos nós que recebemos os meninos, e sim eles que nos receberam de braços e corações abertos.
Robert Segal: Já havia trabalhado com o público jovem antes e, particularmente com este público?


Fernanda Vieira: Minha primeira experiência profissional foi como estagiária em uma Clínica Dia, desenvolvendo atividades terapêuticas com pacientes com transtornos psiquiátricos. Depois de um ano e meio fui circular por outras áreas da psicologia, até que me deparei novamente com a área da saúde mental. No entanto, o trabalho em um abrigo é diferente de qualquer outra instituição, pois as pessoas moram lá. Não dá para simplesmente fechar a porta e dizer que “retomamos esta questão na semana que vem”. Tudo é questão para agora. A terapia, a escola, a comida, o remédio, a limpeza, o banho, a roupa, o lençol... Não tem curso que nos ensine ou manual de orientação. Só quebrando a cabeça e tentando...
Robert Segal: Numa visita a Casa Lar Mangueira pode-se ver nitidamente como a instituição contraria o estereotipo de “depósito de gente”, como vemos em algumas reportagens pela televisão. Pode-se ver um estabelecimento limpo, equipado e com um material mínimo para o atendimento daqueles jovens. Como vocês fazem para manter e instituição?


Fernanda Vieira: A Casa Lar Mangueira é um dos projetos do Programa Social da Mangueira, e pertence ao Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Mantemos um convênio com o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da Fundação para Infância e Adolescência.
Robert Segal: E o que vocês conseguem de recurso é suficiente?


Fernanda Vieira: Não. O convênio cobre apenas cerca de 60% das despesas da instituição. O restante dos recursos, nós os arrecadamos através de doações de pessoas físicas e jurídicas e em eventos organizados na Casa Lar, como bazares e festas.
Robert Segal: Então, o que a Casa Lar Mangueira precisa mais?


Fernanda Vieira: Material de limpeza, de higiene pessoal e alimentos, como frutas, verduras, legumes e carnes.
Robert Segal: Como alguém pode ajudar a instituição que abriga estes jovens?


Fernanda Vieira: De tantas formas... Pode vir conhecer a Casa Lar e conversar um pouco... Apesar de termos necessidades materiais também precisamos contatos. Empresas, instituições de saúde, de assistência social, de orientação jurídica e de eventos culturais são muito bem vindos e não implicam, necessariamente, em investimento financeiro. Mas quem quiser enviar doações, estas serão muito bem vindas. Dependendo da quantidade, podemos buscar no endereço do doador também.
Robert Segal: Como está sua vida hoje?


Fernanda Vieira: Estou me organizando... Me divido entre a Casa Lar, o consultório e minha família. Tem dias que invisto nos três. Em outros, fico mais tempo com os meninos do que com a Maria Clara. Tento compensar no fim de semana, curtindo bastante a pequena.
Robert Segal: Às vezes, você leva sua filha à Casa Lar Mangueira, especialmente, nos fins de semana, quando tem algum trabalho pra fazer lá. Você não tem medo de algo aconteça com sua filha?


Fernanda Vieira: De jeito nenhum! A Casa Lar faz parte da minha vida e principalmente da minha família. Os meninos acompanharam a minha gestação e conhecem a Maria Clara desde que nasceu. Todos têm um enorme carinho por ela e tenho certeza que ela também tem por eles. Desde pequena, vinha para a Casa Lar e ficava na minha sala, no tapete com seus brinquedos. Assiste desenhos e brinca com eles. No ano passado, fizemos seu aniversário de 2 anos na Casa Lar, pois eu e Jorge (marido) sabíamos o quanto era importante esse enlace familiar.
Robert Segal: O que você espera que sua filha aprenda, mantendo contato com jovens deficientes físicos, mentais, psíquicos e/ou sensoriais?


Fernanda Vieira: Amor. Um sentimento incondicional, sem pré-conceitos ou limites. Não quero que ela precise se formar para aprender a importância da diversidade e do respeito inerente às relações. Se ela tiver esses valores solidificados em sua formação, será um ser humano muito mais capaz do que nós somos.
Robert Segal: O que você tem a dizer para as pessoas que lêem esta entrevista?


Fernanda Vieira: Venha conhecer a Casa Lar! Aqui é um espaço de aprendizado constante. Temos amigos que atravessam o oceano para vivenciar experiências com os meninos e formam uma grande “Rede do Bem”, compartilhando sentimentos e ideais.
Robert Segal: E seus contatos?


Fernanda Vieira: casalarmangueira@gmail.com
A Casa fica na Rua João Rodrigues nº 41, São Francisco Xavier, Rio de Janeiro.
Tels: (21) 3298-0470, 3880-4526 e 7140-5841.

Equipe de trabalho com os abrigados da Casa Lar Mangueira.

Dia de festa na Casa Lar da Mangueira.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A "NOVA ORDEM": onde estão as vozes dissonantes?


(Foto: Micha Gordin)
Eles assumiram o Poder depois de décadas de espera. Finalmente, haviam conseguido tirar os outros do Poder, estabelecendo uma nova ordem.
Foram-se mais de meio século esperando uma oportunidade. Mas, agora, ela havia chegado.
Ao invés dos burgueses, o proletariado no Poder. Com isso, o novo governo seria a voz do povo. Marca da nova ordem, cuja palavra-chave era a ruptura com a antiga ordem. Todo Poder emana do Povo!
Mas, como estabelecer a nova ordem? Chegara a hora de tomar as rédeas nas mãos.
Aniquilar os membros da antiga ordem, os burgueses? Eliminar todos aqueles que de alguma maneira deram suporto à antiga ordem, incluindo os intelectuais?
Tanto a primeira como a segunda hipóteses foram experimentadas por outros regimes. Adotar um governo de terror poderia implicar uma onda reacionária. E, além disso, os membros da nova ordem não pretenderam assemelhar-se com a antiga ordem nem, muito menos, com regimes sanguinários. Afinal, os tempos são outros.
Queimar corpos, empalar pessoas e cortar cabeças tornaram-se hipóteses descartadas por aqueles que no momento chegavam ao Poder.
Ademais, a democracia havia se consolidado no país. Qualquer política ou instrumento que pudesse abalar a democracia poderia se tornar um argumento legítimo para reação da antiga ordem, inclusive com o apoio da ordem internacional.
No entanto, havia o desejo de fazer os membros da antiga ordem provarem o seu próprio veneno. Eles haviam usufruído do Poder por décadas, sem abrir qualquer possibilidade de participação das massas populares.
Além de tal desejo, havia o compromisso de se garantir a satisfação às massas, mediante a realização das promessas feitas na campanha eleitoral.
Ao invés de revanchismo, a nova ordem optou pela composição, ou seja, uma aproximação com a antiga ordem, ainda que isso se desse com todas as cautelas. O Poder é caro. E os membros da nova ordem conheciam o árduo caminho para se chegar ao Poder. Neste momento, o importante era agarrar o Poder com unhas e dentes. Perdê-lo, jamais!
A primeira medida foi alocar os membros da antiga ordem em postos dentro do novo Governo. Mas nada que pudesse colocar em risco o novo Poder, pois os membros da antiga ordem não gozavam de força numérica dentro das instituições. Até que tinha voz nestas instituições, mas o som de suas gargantas sempre seria abafado pela maioria, ligada à nova ordem.
De qualquer forma, a democracia estaria assegurada. Nenhuma violação aos direitos fundamentais dos cidadãos se assistiria no país, como outro se experimentou outrora.
Quanto àqueles que davam suporte ao antigo Governo, estes também foram alocados em cargos nas instituições públicas, quando não, também receberam atenção especial da nova ordem.
Aos intelectuais se propôs o atendimento de seus anseios. Alguns foram convidados a compor o novo Governo, enquanto outros passaram a receber condições favoráveis à realização de seus projetos. Por exemplo, um plano para a cultura foi imediatamente aprovado, com vistas abrir os cofres públicos para o financiamento de apresentações de artistas. O que antes cabia à iniciativa privada, enquanto uma típica manifestação burguesa, a partir deste momento, tornou-ser uma questão de Estado, personificado na figura de que governa. A premissa monárquica “L’Etat se moi” foi, ainda que implicitamente, adotada pela nova ordem.
Se por um lado, a ajuda aos intelectuais surtia os efeitos esperados sobre suas ações, por outro, também garantia a satisfação das massas. Estas massas passaram ater a chance de experimentar alguns eventos que pareciam distantes de suas realidades. Mas, as massas não tiveram a oportunidade de se aproximar de todas as manifestações culturais, eis que algumas eram destinadas a um público seleto; um público que podia pagar, considerando os altos preços das apresentações, e/ou um público composto de pessoas importantes politicamente. Às massas uma olhadela pela janela das casas de espetáculo, era o máximo que se via.
Seja como for, panis et circensis à plebe. Além do subsídio para que as massas pudessem ter o acesso mínimo às manifestações culturais foi reservado a elas um plano de ajuda, com o objetivo de matar sua fome, como a nova ordem fez questão de grifar, tanto em sua campanha eleitoral como na oportunidade em que assumiu o Poder.
Famílias na linha de pobreza e abaixo desta linha passaram a ter a chance de comer. “Pela primeira vez na história, um Governo se preocupou com os pobres de maneira efetiva”, diziam os membros da nova ordem.
Ao subir nos palanques, os membros da nova ordem bradavam palavras contra a antiga ordem, numa espécie de catarse, enquanto as massas aplaudiam e gritavam em coro ao que era dito naquele lugar. Linchava-se a antiga ordem como quem bate num boneco de Judas, durante o período que antecede a Semana Santa.
Aliás, diga-se que, a partir da nova ordem, havia um novo santo: o Presidente.
Com seu jeito carismático, tratou de implantar uma política de aproximação com os antigos rivais, nem que para isso fosse necessário abrir os cofres públicos ou alocar gente nas instituições públicas. E aqueles que até então eram contrários ao Governo, ou seja, à nova ordem, logo se viram como quem fica com a mão esticada, esperando uma esmola.
Neste contexto, todos pareciam satisfeitos. O Governo, os membros da antiga ordem, os intelectuais e as massas. Tudo caminhava nos rumos de uma nova ordem.
Entretanto, havia falhas e existiam os críticos a estas mesmas falhas. Pierre era um exemplo dos críticos à política do Governo, à vigência da nova ordem.
Dizia Pierre que os subsídios dados às massas poderiam até matar a sua fome, mas não eram suficientes para libertá-la da dominação estrutural que ainda vigorava, mesmo com a chegada da nova ordem. Para ele, era preciso fazer mais, como por exemplo, investir em educação, uma educação crítica e ecomplexa, com vistas a fomentar cidadões aptos a criticar as coisas e a percebê-las numa ótica de um jogo.
Em resposta às críticas de Pierre, os membros da nova ordem disseram que a libertação das massas se verificava mediante a adoção de programas sociais que lhes garantiria matar a fome e a qualificação para o mercado de trabalho, por intermédio de escolas técnicas, cuja proposta havia sido muito explorada durante a eleição.
Mas, Pierre contra argumentava, dizendo que a política de educação do atual Governo nada mais fazia do que reproduzir o modelo de atendimento ao mercado global de trabalho implementado pela antiga ordem.
As palavras de Pierre foram ganhando, de alguma maneira, vulto entre alguns seguimentos, entre eles, a classe média, sobre a qual recaíam todos os encargos com a política social do atual Governo. Para se custear o projeto governamental era necessário captar verba de algum lugar. E, naturalmente, as classes mais altas usufruíam de privilégios ou sabiam como se preservar da política de arrecadação do Governo.
Mas, as palavras de Pierre tornaram-se um inconveniente para a nova ordem. Estas palavras funcionavam como uma mosca insistente que vive a azucrinar uma pessoa, como um herege.
Como mosca, Pierre deveria ser abatido. Todavia, como dito, isso implicaria em reprodução da política de violação dos direitos fundamentais que antigamente vigiam no país. Com herege, melhor sorte lhe assistiria. Haveria ele de ser “corrigido”.
Mas, diante das insistentes críticas de Pierre, a nova ordem decidiu agir.
Pierre era professor em uma instituição pública de ensino. Logo de início, foi transferido para uma sede da instituição de ensino longe de sua casa. Passou a ter dificuldades de locomoção. Fisicamente, sentiu o desgaste com a longa viagem até seu novo local de trabalho. Financeiramente, Pierre também sentiu o impacto das viagens diárias em seu orçamento, mesmo porque seus vencimentos não aumentaram.
Diga-se, aliás, que o orçamento de Pierre sofreu impacto maior devido à recusa de financiamento de suas pesquisas com verbas públicas. Todos os projetos que apresentava aos órgãos de fomento eram recusados. Nunca mais conseguiu um financiamento para suas pesquisas e, com isso, viu-se também como um professor/pesquisador obsoleto, eis que seu currículo cada vez mais ficava defasado com relação aos seus colegas de profissão.
Um dia, Pierre fazia um lanche com Raymond num café da cidade e, aproveitando a ocasião, fez um desabafo.
Raymond era um dos raros amigos de Pierre (vários tinham lhe abandonado) e quem tinha intimidade suficiente para dizer a este último algumas “verdades”, por mais que estas doessem.
Ao ouvir o desabafo de Pierre, Raymond lhe disse:
– Meu querido amigo, já cansei de te dizer isso: Todos representam. Alguns mais, outros menos, dependendo do momento, do lugar e do público. Alguns assumem papéis principais, enquanto outros atuam como coadjuvantes. E quem não representa, sai de cena.
– E continuou: Mas você não aprendeu ainda.
Os caras finalmente chegaram ao Poder e trataram de ramificá-lo direitinho. A impressão que temos é que todo mundo está comprado ou com medo. A chamada oposição está satisfeita com aquilo que lhe foi oferecido pela nova ordem. Recebeu uns cargos pra calar a aboca e assim foi feito. A classe dos intelectuais foi silenciada. Ela ganhou um bocado de benesses pra ficar na dela. Lembra quando havia tortura neste país e os intelectuais se insurgiram? Além dos revolucionários da luta armada, tínhamos um grupo de pessoas que pintavam, cantavam e escreviam, manifestando-se contra a política do Governo de então. Já as massas... Estas sempre foram massa de manobra. Ela sempre foi composta por muitos, mas que não podiam voar...
Pierre interrompe a fala de Raymond e lhe questiona sobre ética.
– Ética, diz Raymond. A ética que vigora é a ética do Poder. Alguns são o centro, enquanto outros a periferia, mas todo mundo quer uma casquinha. Por que você acha que não existe mais oposição neste país, hein? Direita e esquerda são definições que nem mais cabem no nosso dicionário.
Os integrantes da antiga ordem se deram por satisfeitos com o que foi lhes oferecido. Os intelectuais calaram-se diante dos cofres abertos. Não há um artista ou pesquisador alinhado com o atual Governo, adepto da nova ordem, que não receba uma verbinha para suas apresentações ou seus projetos de pesquisa.
E as massas? Essas deliram com os subsídios dados pelo atual Governo. Elas finalmente podem fazer compras, mas não só de comida. Elas agora podem ir a uma loja e adquirir um aparelho de telefone celular de última geração, comprar uma televisão das mais caras, financiar um automóvel etc. Foram reconhecidas como consumidoras e elevadas à classe média. Um sonho...
Pierre novamente interrompe a fala de Raymond:
– Mas é sobre isso que eu justamente estou falando!
– Eu sei, diz Raymond. E acrescenta:
Mas, toda essa gente conseguiu fazer aquilo que você não fez: representar.
Ninguém se levanta contra a nova ordem, pois depende dela pra tudo. Pra continuar no Poder, ainda que de forma periférica, como coadjuvante; pra conseguir dinheiro para a carreira e pra pesquisas acadêmicas; e pra comprar, comprar e comprar.
Grande parte de seus colegas da instituição de ensino usam máscara. Estão de saco cheio dessa porcaria, mas fingem que está tudo bem. Afinal, quem quer perder a grana de um projeto, ficar de fora da patota?
Veja a Marie. Ela aproveitou a oportunidade e se colocou junto aos adeptos da nova ordem na instituição de ensino. É por isso que ela é agora a reitora. Sacou?
Quanto às massas, estas estão entorpecidas com a febre de consumo. Estão orgulhosas por terem saído da obscuridade social. Pelo menos, é o que elas acham.
As pessoas se acham cidadã porque podem comprar. Não percebem que se tornaram mais uma engrenagem na reestruturação do capital. Muito poucos conseguirão quebrar a estrutura de dominação. Vão continuar a serem porteiros, motoristas, balconistas e por aí vai. E agora com a globalização, o máximo que conseguiram atingir será um cargo de operador de telemarketing. Mudaram definições e atores, mas a estrutura continua a mesma. E o atual Governo nada mudou, apenas refinou a estrutura implantada pela antiga ordem.
E meu amigo – continua Raymond – nesta sociedade da nova ordem, o silêncio impera. A gente parece que vive num Big Brother. O grande irmão a todos observa; nada passa despercebido. E todo mundo vigia todo mundo. É a sociedade do medo!
O Poder se ramificou e o centro não se sustenta sem seus tentáculos, os quais estão entre nós. Você, por exemplo, acho que caiu em desgraça por seus próprios colegas de instituição lhe viraram a cara. Alguns não tiveram a sua coragem. Já outros funcionaram como delatores. Estes últimos aproveitaram o seu sacrifício pra subirem de cargo e, alguns, parecem que conseguiram.
E se você não representa direitinho, aí vem um cara e lhe diz: “Pierre, e com 100% dos votos do público você está eliminado”.
Por isso, meu querido amigo, fique em silêncio. E, se falar, fale bem baixinho... Mas, cuidado para quem você diz as coisas por aí.Não há mais lugar para o dissidente, para a resistência, para a oposição, para as vozes dissonantes. Não existe mais espaço para as inquietudes. A solidariedade acabou. Cada um pensa somente si mesmo. Cada um quer salvar a sua pele. A utopia acabou. Estamos em tempos sombrios travestidos de democracia. Essa é a nova ordem...