quinta-feira, 8 de outubro de 2009

PAIS X ESCOLA: COMO FOI QUE OS PRIMEIROS SE TORNARAM INIMIGOS DA SEGUNDA.



Educai as crianças,
Para que não seja necessário punir os adultos
”. (Pitágoras)

"Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". (Paulo Freire)

Há algum tempo, venho ouvindo relatos de educadores sobre suas angústias, no tocante às condições de trabalho, aos baixos salários, ao estresse e aos medos .
Destes relatos, um me chamou a atenção, considerando a recorrência e complexidade do tema. Um dia, uma amiga, que é educadora, me contou que um aluno da escola em que ela trabalha havia agredido uma colega de turma, dentro da sala de aula, na presença dos demais alunos. O que teria começado por uma discussão acabou gerando uma agressão física, cujos resultados foram graves.
Segundo me contou esta amiga, o problema havia sido gerado pelo fato da menina ter se negado em inserir o nome do agressor num trabalho de grupo, no qual este último sequer haveria participado. Diante da negativa da colega de turma, o menino partiu para a agressão física, causando na aluna lesão corporal que deixou marcas, além de um trauma psicológico.
E o conflito entre o aluno agressor e a vítima não parou por aí. Conta-se que ele chegou inclusive a ameaçá-la dentro de um ônibus, na saída da escola.
Frente à situação causada pelo aluno, a diretoria da escola decidiu transferi-lo de turno, além das medidas disciplinares cabíveis.
Nesta oportunidade, cabe registrar que o tal aluno possui um histórico de agressividade em relação aos seus colegas de escola. A agressão perpetrada em face da então colega de turma parece não ser um caso isolado do mencionado aluno.
Reitere-se que o aluno agressor não foi expulso da escola, mas tão somente transferido de turno, ou seja, do turno da manhã para o da tarde. Mas, em que pese a medida adotada pela escola, de tão somente transferir o aluno agressor de turno, a mãe deste aluno passou a reclamar junto à diretoria da escola, alegando que seu filho estava sendo prejudicado.
Parece óbvio que a tal mãe sequer se importou com as agressões sofridas por uma menina, provocadas por seu filho. Ao contrário, ela preferiu tão somente colocar seu foco sobre as supostas “injustiças” praticadas pela escola, mesmo tendo sido avisada sobre o comportamento agressivo e anti-social de seu filho.
O comportamento da mãe em tela traz à tona algumas questões que podem ser consideradas como relevantes no atual contexto.
A primeira questão que aqui pode ser suscitada diz respeito a velha história do “nós” e “eles”. A mãe do aluno parecia pouco se importar com as repercussões dos atos de seu filho. Somente interveio junto à escola para defender seus próprios “direitos” e os de filho. Para ela, tudo aquilo implicava constrangimento para seu filho.
O caso aqui narrado poderia até parecer um incidente isolado se não fossem outros relatos, como de uma mãe que, indignada pelo fato de uma professora ter retirado um aparelho de música de sua filha durante uma aula, resolveu se dirigir a uma Delegacia de Polícia, a fim de incriminar a docente e responsabilizar a instituição de ensino, e de uma mãe que agrediu a professora de sua filha depois de saber que a mesma havia repreendido a jovem por usar aparelho celular durante uma aula.
Pior para a primeira mãe, que ainda teve que ouvir críticas da delegada de polícia, em plena sede policial, e para a segunda que foi processada e condenada a pagar indenização por danos morais em favor da professora agredida.
Outra questão que aqui pode ser levantada se refere ao que se pode chamar de fenômeno da “terceirização da educação” por parte dos responsáveis legais de crianças e adolescentes.
Vive-se em tempos cuja demanda por status profissional e condições econômicas de subsistência se faz cada vez mais crescente. Homens e mulheres encontram-se submetidos tanto à pressão da manutenção do status quo como das demandas profissionais, que servem para sustentar suas respectivas famílias, frente ao tempo que parece curto . Ainda que um dia tivesse 48 horas, ainda assim não seriam suficientes para dar conta dos compromissos.
Babás, vizinhos, amigos, avós e a escola fazem parte deste processo de “terceirização da educação”, enquanto os verdadeiros responsáveis encontram-se ocupados.
Inegável que a escola possui responsabilidade na educação das crianças e dos adolescentes, até mesmo por força da legislação vigente no país. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 205, a Lei n° 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), em seu artigo 2°, e a Lei n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu artigo 4°, assim estabelecem.
Além da garantia de boa qualidade, as instituições públicas e privadas de ensino são responsáveis pela integridade física e psíquica de seus alunos. Qualquer abalo à integridade física ou moral da criança ou adolescentes que se encontre sob a guarda de uma escola pública ou privada, ainda que transitória, acarreta o dever de reparar o dano, com base naquilo que juridicamente se denomina culpa in elegendo.
Se para a responsabilização das escolas públicas se aplica o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, para as escolas privadas rege o artigo 14 da Lei n° 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). Mesmo ante as críticas, a incidência da responsabilidade civil objetiva do artigo 14 da Lei n° 8.078/1990 às escolas privadas se dá em decorrência da natureza de prestação de serviços de sua atividade educacional.
Assim, quando ocorre algo à criança ou ao adolescente nas dependências de uma escola pública ou privada que lhe cause danos de ordem material (física ou patrimonial) ou moral, nasce o dever de indenizar por parte desta mesma escola. E nossos Tribunais de Justiça já têm se pronunciado neste sentido.
Entretanto, cabe questionar se a responsabilidade da escola, em alguns casos, seria exclusiva sua.
Imagine-se um caso em que um adolescente agride fisicamente outro adolescente que vem a sofrer seqüelas. Caberia exclusivamente à escola o dever de reparar o dano? E os responsáveis legais do adolescente agressor?
Acredito que, por força do próprio do caput do artigo 205 da Constituição da República Federativa do Brasil, do caput do artigo 2° da Lei n° 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e do caput do artigo 4° da Lei n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a família (leiam-se os responsáveis diretos e indiretos das crianças e adolescentes) é solidariamente responsável ao Poder Público e às instituições de ensino (enquanto parte da sociedade) pela educação e pelos atos de seus filhos.
Atribuir exclusivamente à escola o dever de reparar o dano, excluindo-se de tal responsabilidade os responsáveis legais do agressor, ao meu sentir, parece uma injustiça e uma deturpação à mentalidade da lei.
O fato de entregar a criança ou adolescente a uma instituição de ensino para sua formação intelectual e ética não pode licenciar seus responsáveis (pais, avós, tutores, etc.) das atribuições que lhe são cabíveis.
Ademais, há que se ressaltar que a agressão cometida por um adolescente implica naquilo que a Lei n° 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) denomina como ato infracional. Tal ato consiste numa conduta análoga a um crime ou contravenção penal cometido por pessoa adulta (art. 55 da Lei n° 8.609/1990).
Portanto, cabe um alerta para os responsáveis que acham que seus filhos não podem ser responsabilizados por condutas agressivas e danosas. Mesmo penalmente inimputáveis (art. 56 da Lei n° 8.069/1990), por serem menores de 18 anos, aos adolescentes podem ser aplicadas as chamadas medidas socioeducativas (art. 112 da Lei n° 8.069/1990), como: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção de regime de semiliberade ou internação em estabelecimento educacional.
Estas discussões pode inclusive servir de pauta para outro debate, mas, por ora, o que se quer resgatar aqui é a compreensão da aparente rivalidade que se estabeleceu entre os responsáveis legais de crianças e adolescentes e as escolas que estes últimos frequentam.
Afinal, o que houve?
Lembro-me quando era criança. Tinha por hábito conversar com os colegas de turma, mesmo durante as aulas. Talvez tivesse uma disposição para a socialidade além do normal, o que merecia repreensão por parte dos professores.
Nunca fui de desafiar um professor, apenas gostava de me distrair e distrair os colegas quando uma disciplina não me interessava. Anormal, garoto mau ou aluno ruim? Não, apenas fazia aquilo que crianças praticam até os dias atuais.
Devo admitir que já fui motivo de conselho de classe e reunião com pais por causa de minhas conversas durante as aulas, mas nunca (e isso faço questão de frisar) dei ensejo à reclamação por agressividade ou comportamento anti-social, seja com relação aos professores ou a colegas de escola.
E minha mãe, uma jovem viúva que trabalhava fora cerca de oito horas por dia para sustentar dois filhos, o que fazia? Não me batia, mas me deixava de castigo, deixando claro que aquilo se devia à reincidência de conversas em sala de aula.
Minha mãe era então uma carrasca? Óbvio que não. Apenas tentava me mostrar a importância dos limites, da responsabilidade e do respeito para com os outros.
Somente uma vez minha mãe interveio em meu favor. E foi quando realmente uma professora extrapolou sua competência, privando-me de lanchar porque não havia feito um dever de casa por completo.
Ouvindo os relatos de várias pessoas, fico me perguntando como os responsáveis legais de crianças e adolescentes se tornaram rivais das escolas onde estes últimos encontram-se matriculados. O que houve?
Se por um lado parece haver o reconhecimento da importância da educação em instituição oficial de ensino, pública ou privada, por outro, parece existir a ausência de reconhecimento da relevância do papel desempenhado por estas mesmas instituições na construção moral e ética de crianças e adolescentes.
Entre os responsáveis legais de crianças e adolescentes e as escolas parece se reproduzir a máxima de que “pra nós, todos os direitos; pra eles, todos os deveres”. Enquanto aos primeiros cabe o direito de ver seus filhos preparados para o mercado de trabalho, à escola cabe o cumprimento de tal expectativa.
Mas, quanto aos limites, por que os responsáveis legais de crianças e adolescentes têm se mostrado resistentes em compartilhar tal atribuição com a escola? Por que é que a escola não pode punir crianças e adolescentes agressivos ou com comportamento anti-social? Trocar um aluno agressor que ameaça os colegas de turma de turno significa um constrangimento injusto? E as vítimas, que as defende? A impunidade de crianças e adolescentes agressivos não contribui para que os mesmos tornem-se adultos pouco sociáveis?
À escola parecem ter ficado depositadas expectativas além de sua competência. Além de reproduzir as dinâmicas sociais extra-muros, a escola encontra-se envolvida com questões referentes à violência, à falta de ética, à ausência de solidariedade e ao padrão efêmero de afetividade .
Por certo, não há que se excluir das instituições de ensino os deveres que lhes são inerentes, mas colocar sobre elas todas as responsabilidades pela educação de crianças e adolescentes implica num desequilíbrio no processo de construção intelectual e ética destas.
Percebem-se inúmeros os relatos de responsáveis que adentram às escolas exigindo o cumprimento de direitos para suas crianças e adolescentes (os quais parecem conhecer muito bem o Estatuto da Criança e do Adolescente, neste sentido), bem como criticando alguma medida disciplinar aplicada por àquelas nas hipóteses de comportamentos agressivos ou anti-sociais, mas também parecem ser raros os relatos sobre responsáveis que procuram a escola para dialogar quando seus pupilos causam danos às instituições ou a terceiros.
Há casos narrados de crianças e adolescentes que chegam inclusive a agredir verbal e fisicamente seus educadores (diretores, professores, etc.). E os responsáveis legais por estes jovens, o que têm feito?
Achamos que, porque pagamos impostos e/ou mensalidades escolares, podemos exigir que as escolas públicas e privadas preparem nossos filhos para o vestibular e o mercado de trabalho, mas não podemos aceitar práticas pedagógicas que sirvam para tornar nossos jovens seres sociáveis. Não estaríamos desmerecendo as instituições que escolhemos para serem nossas parceiras na construção intelectual e ética de nossos jovens?
Será que não estamos sendo permissivos demais em relação às nossas crianças e adolescentes? E será que isso se dá pelo fato de nos sentirmos culpados pela nossa ausência diária, pois precisamos dar conta dos inúmeros compromissos e sustentar nossa família?
Será que, com isso, não estamos criando uma geração de jovens tiranos, que acham que tudo podem e nada devem?
Não estamos contribuindo para a construção de uma “ditadura do indivíduo”, em decorrência de nossos traumas com relação à “ditadura do establishment (Estado, padrões familiares, rigores sociais, etc.)? Ou seja, saímos de uma extremidade da corda para a outra?
Como passamos a enxergar a escola como nossa rival no processo de educação e construção intelectual e ética de nossas crianças e adolescentes? Não estaria na hora de reconhecer as competências das instituições de ensino no processo de educação de nossas crianças e adolescentes?
Desejamos que nossas crianças e adolescentes sejam somente bons advogados, médicos, comerciários, empresários, funcionários públicos, etc., ou, além disso, bons cidadãos?
Estas são algumas perguntas cujas respostas provavelmente nos façam compreender a importância de caminharmos junto à escola e não contra ela.
Talvez esteja na hora de um exercício de reflexão, para o bem de nossas futuras gerações.

Um comentário:

Kenia disse...

Amigo, acredito que neste percurso existe um processo histórico associado a situações socio -políticas. Como você citou, estamos no outro lado do que foi a ditadura, que ao ser quebrada surgiu o movimento de "é proibido proibir", que envolvia a educação, suscitando na falta de limites que vemos hoje. Unido a situação social de des-valores que inverteu os valores essenciais e hoje há a dificuldade, principalmente dos mais jovens, de compreender estes valores. Eles realmente não conseguem entender, por que não aprenderam, e não aprenderam porque seus pais não sabem e portanto não conseguem ensinar, e quando é sinalizado, fazem "cara de paisagem", porque agora "dá lucro". Se aprenderem, não conseguem "levar vantagem". A situação política de impunidade, dá a sensação que tudo pode, pois se nossos dirigentes podem ser impunes, quem não pode? Além de muitas outras situações que geraram o caos que vemos na sociedade. Portanto temos aí um paradoxo. Sabe amigo, fico feliz quando leio textos de alguns alunos com uma clareza de pensamento e indignação pela situação social atual. No meu blog, alguns alunos falaram sobre isto e vi que nem tudo está perdido!! POdemos ter esperança!! bjs Kenia