segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O IMAGINÁRIO DAS SOMBRAS


No final do mês de novembro de 2009, o presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, esteve em visita à República Federativa do Brasil, gerando protestos de parlamentares, congregações judaicas, entidades homoafetivas (os LGBTs), grupos de direitos humanos, etc.
A vinda do presidente iraniano ao Brasil, a convite do presidente Luis Inácio Lula da Silva, reprisa a visita daquele à República Bolivariana da Venezuela, de Hugo Chavéz. E alguns dias depois, o presidente iraniano ainda realizou uma viagem à Bolívia, ou Estado Plurinacional de Bolívia, conforme seu nome oficial, a convite do presidente Evo Moralez.
Mas afinal, o que causa tanto arrepio em países como os Estados Unidos da América e Israel, em parlamentares brasileiros, entidades judaicas, homoafetivas (LGBTs) e naquelas ligadas à defesa dos direitos humanos? E, em plena era de globalização, caberia uma oposição tão acirrada ao presidente da República Islâmica do Irã, Mahmoud Ahmadinejad?
Cabe lembrar o momento “revolucionário” vivido na América Latina, em que figuras ilustres como Luis Inácio Lula da Silva, no Brasil, Hugo Chavéz, na Venezuela, Evo Morales, na Bolívia, Augusto Zelaya, em Honduras, entre outros, encontram-se no poder e com um discurso que parece estar em harmonia quanto à ascensão de idéias que desafiam a até então vigente relação de poder entre as nações. O sistema de poder enjendrado pelos países considerados desenvolvidos, outrora liderados pelo chamado G-8, encontra-se sob franca contestação pelos países em desenvolvimento ou denominados como emergentes.
Seriam os ecos dos movimentos nacionais das décadas de 1950 e 1960, calados por grupos autoritários com a colaboração de intervenções estrangeiras como a dos Estados Unidos da América e de sua Agência Central de Inteligência (sigla CIA, em inglês), na América Latina?
Sob o vulto de personalidades “revolucionárias” como Fidel Castro, estariam Lula, Chavés e Morales, entre outros, dando continuidade a um processo de socialização e nacionalização tardia na América Latina?
Tal questão merece um ensaio próprio, o que aliás já foi publicado neste blog.
Mas, voltando a Mohamed Ahmadinejad e sua política, o que há de tão preocupante na visita do presidente da República Islâmica do Irã ao continente americano?
A oposição ao presidente do Irã se construiu na comunidade internacional, inclusive no Brasil, considerando as repetidas afirmações deste sobre a inexistência de acontecimentos com o holocausto (shoah), a predisposição em “varrer Israel do mapa”, a perseguição às chamadas minorias, como os homoafetivos, as supostas fraudes no processo eleitoral de 2009, a acusação de violação dos direitos humanos e a insistência em seguir com o processo de desenvolvimento nuclear.
Há uma tensão na comunidade internacional quanto ao plano nuclear do Irã. Em que pesem as informações prestadas pelo governo iraniano sobre o enriquecimento de urânio para fins meramente pacíficos, tal hipótese parece causar arrepio ao redor do globo, especialmente em países como Estados Unidos e Israel.
Diga-se que a inclinação antissemita (ou mais precisamente antijudaica) do presidente do Irã vem servindo para aumentar ainda mais a desconfiança com relação aos planos deste país para sua energia nuclear.
O que parece se tratar de uma mera tensão política de ordem internacional traz consigo um imaginário do medo, considerando experiências como a tomada do poder pelos nazifascistas e suas repercussões, como a aniquilação de milhares de seres humanos (judeus, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, e dissidentes políticos) na longínqua década de 1940, mas ainda fresca na memória coletiva da humanidade.
Parece que a tolerância e até a aparente simpatia de líderes de governos na América Latina estão despertando uma preocupação coletiva quanto a uma catástrofe anunciada. Ao que tudo indica, há uma constante preocupação que esta tolerância (ou ausência de crença num mal maior) possa fazer com que haja uma reprise do capítulo do nazismo na Europa e do genocídio que se seguiu naquele continente.
A fim de ilustrar tal preocupação, vale retornar no tempo, quando, em pleno processo expansionista da então Alemanha nazista, países como França e Inglaterra mostraram-se reticentes em realizar intervenções que pudessem livrar países como Áustria, Tchecoslováquia (atualmente, República Tcheca e Eslováquia) e Hungria das garras do autoritarismo.
Existem teorias sobre a não-intervenção da França e Inglaterra na Europa, como a que atribui tal omissão ao esgotamento financeiro e bélico das nações devido ao conflito mundial que havia se instalado em 1914-1919.
Mas, quem acreditava que o esgotamento financeiro e bélico serviria para impedir uma corrida armamentista mostrou-se um grave engano. Em poucos anos, sob o ditame dos nazistas, a República de Weimar se transformou num Estado autoritário, belicista e expansionista, determinado a vingar as “injustiças” do Tratado de Versalhes e a promover aquilo que achava ser sua missão cultural: subjugar povos, aniquilar vidas e sobrepor uma “raça ariana” aos demais grupos étnicos e culturais.
A reação da França e Inglaterra somente chegou após a invasão da Polônia, em setembro de 1939, o que os fatos demonstraram ter sido tarde demais. A Alemanha nazista já dominava a Europa Central e avançava em outras direções, como na Escandinávia (Dinamarca, Suécia e Noruega) e nos Balcãs. Tudo ia bem para os nazistas até a decisão de invadir a então União Soviética e o ataque japonês em Pearl Harbor, o que, além de trazer um poderoso inimigo do leste europeu para a guerra, acabou também por “convidar” os Estados Unidos da América para o conflito, ao lado da França e Inglaterra.
Da invasão da Polônia ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), milhões de vidas foram sacrificadas, uma soma financeira inimaginável foi gasta (o que, além de deixar as economias européias esgotadas, deslocou o centro do poder para os Estados Unidos da América) e um cenário mundial desolador se instalou. A tolerância com os nazistas ou a ausência da crença de que estes poderiam fazer “algo pior” deixou um legado traumático na comunidade internacional, o que serviu inclusive como a própria razão de ser da Organização das Nações Unidas (mesmo considerando as atuais críticas a sua organização e funcionamento) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Resta saber o que a tolerância ou até mesmo a simpatia de governos, como os ditos “revolucionários” na América Latina, pode causar, considerando as intenções do governo iraniano. Será que um período de sombras como o vivido em 1939-19145 vai se repetir? Será que as “revoluções tardias” não estão míopes para ver aquilo que para muitos parece ser óbvio?
A autodeterminação dos povos e das nações constiui um direito reconhecido internacionalmente, mas espera-se que não seja tarde, pois, em se tratando de matriz nuclear, os resultados catastróficos muito provavelmente serão piores.

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