terça-feira, 24 de abril de 2012

Tão só, tão junto. Ou tão junto, quando se deveria estar só.




Numa sexta-feira, parei para almoçar e ler um livro num restaurante aqui perto de casa. Levei um livro e um lápis, a fim de sublinhar os trechos que julgaria importante e fazer os apontamentos necessários. Sentei-me à mesa, pedi uma água mineral e um prato de comida, entre as opções no cardápio.
Do instante que sentei-me à mesa ao momento que paguei a conta, devo ter levado umas duas horas. Saboreei a comida, bebi minha água, comi uma sobremesa e tomei um café, além de ler um bom pedaço de meu livro, mesmo que minha atenção fosse desviada por um fato inusitado.
Não que eu seja de tomar conta da vida dos outros, mas uma cena, ali, bem à minha frente, chamou-me a atenção. Numa mesa próxima, um casal almoçava enquanto assistiam à televisão do restaurante.
Percebi que, durante a refeição, aquele mesmo casal não soltou uma única palavra. Fiquei pensando se aquela atitude recíproca não seria correta, pois, como diziam nossas avós, hora de comer não é hora de conversar.
Mas, para minha surpresa, mesmo após comerem, o casal continuou sem trocar uma única palavra. E mais, começaram a manusear seus aparelhos de telefone celular. Ficaram ali, um de frente para o outro, sentados à mesa, tocando os referidos aparelhos com seus dedos velozes.
Passado algum tempo, o rapaz pediu a conta ao garçom. Pagou-a e se levantou, sendo acompanhado por aquela que deveria ser sua mulher (inferi isso considerando que vi as alianças douradas em suas mãos esquerdas e, uma vez tomado de curiosidade, perguntei ao garçom se eles eram casados, recebendo uma resposta afirmativa).
Como tenho certa intimidade com o garçom, já que frequento o restaurante há mais de trinta anos, comentei com ele sobre o silêncio do casal. E ele me disse que aquele casal era assim mesmo, calado, "estranho".
Quase duas horas, sentados à mesa e sem trocar uma única palavra. Estavam ali, junto, mas como se estivessem sós. Interagiam com outras pessoas, em seus celulares, num frenesi cibernético, mas sequer abriram a boca pra falar um com o outro.
Diante daquela cena inusitada, lembrei-me do encontro que tive com uma amiga, uma grande amiga dos tempos de universidade, que há algum tempo não via. Combinamos de matar as saudades, tomar uns chopes e bater um papo.
No dia e hora combinados, encontram-nos num restaurante perto da casa dela, após o horário de trabalho.
Quando cheguei, ela já estava lá, sentada à mesa, naturalmente, esperando a minha chegada. Abraçamo-nos e expressamos nossa alegria pelo reencontro.
Ficamos um tempo ali, naquele restaurante, conversando, ou, pelo menos, tentando, no meu caso, eis que a tal amiga, pelo que percebi, de cinco em cinco minutos, aproximadamente, pegava seu aparelho celular de última geração, olhando se havia alguma chamada ou mensagem, como quem sofre de transtorno obsessivo-compulsivo, conhecido como TOC.
Passamos um tempo sem nos vermos e, apesar da emoção externada pelo reencontro, lá estava ela, comigo e, ao parece, com o mundo inteiro, ainda que virtualmente. E eu ali com ela, tão junto, e tão só.
Voltei para casa pensando sobre aquele encontro. Fiquei pensando se eu havia falado ou feito algo inconveniente. Mas, com o passar da semana, vi que é um comportamento “normal” entre as pessoas.
Outra situação engraçada, para não dizer curiosa, se deu num ônibus, ao retornar da universidade onde curso uma disciplina, e que fica cerca de uma hora de minha residência no horário do rush.
Atrás de mim, sentada, uma garota veio, desde que apanhamos o ônibus no ponto final, próximo à universidade, até a altura de minha residência, falando ao celular, sem um único intervalo.
Ao participar obrigatoriamente da conversa dela, seja lá com quem fosse, o que realmente não me interessava, pensei na incapacidade das pessoas em ter um momento de silêncio, a fim de contemplar o mundo e aproveitar um dos raros instantes de ócio (ainda que em trânsito num ônibus) para, quem sabe, criar coisas, ainda que sejam somente para si mesmas. Afinal, não posso exigir que daqueles instantes surjam coisas para salvar o mundo ou torná-lo melhor.
E assim seguia ela, falando, falando, falando... E nem se importava se sua conversa estava sendo inconveniente para alguém, posto que ela falava num tom que todos os passageiros do ônibus eram obrigados a ouvi-la. A ausência da disposição dela em ficar só, em silêncio, impunha uma companhia a todos nós, inclusive a mim, ali, sentado bem a frente dela.
Talvez, as pessoas tenham perdido oportunidades de compartilhar a companhia de alguém, em toda a sua plenitude, e também o sentido da solidão, o que não significa isolamento.
Mas, pensando bem, plenitude não significa atualmente estar com várias pessoas, ao mesmo tempo? Por outro lado, a solidão não se torna, ela própria, um inconveniente, considerando que é justamente neste momento que (re)aparecem os “fantasmas”, dos quais algumas pessoas querem justamente fugir?
Cada um que responda por si só, ou, se precisar, junto de alguém.

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