Após
muitos anos, retornei àquela casa que, há décadas, havia sido uma escola em que
eu frequentei, em parte de meu ensino fundamental, lá pelos idos de 1980.
Trata-se do Colégio Anglo-Americano, em botafogo, que agora é a sede do
Instituto Daros na América Latina – a Casa Daros, como é conhecida –, cuja sede
internacional fica na cidade de Zürich, Suíça.
Ao
chegar àquela casa, logo de cara, deparei-me com um caixão fúnebre feito de
lego, bem na entrada, com as cores da bandeira da Colômbia, eis que fazia parte
de uma coleção artística de pessoas daquele país.
Naturalmente,
aquela peça ali na entrada, subitamente, trouxe-me uma torrente de lembranças
boas e outras ruins de meus tempos de escola. De qualquer forma, ao ver aquele
mesmo caixão e com meus sentimentos, fiquei pensando em que medida ficamos
“enterrados” ao passado, como, no caso, ao nosso passado juvenil. Afinal,
alguém consegue esquecer os tempos de escola?
Comumente,
trazemos algum souvenir do “cemitério” para nossa casa, como fotos, escudo da
escola, carteirinha estudantil etc.
Assim,
naquele dia, eu transitava pelo “mausoléu”, curioso com as obras de arte ali expostas
e as alterações arquitetônicas da casa. O andar térreo, destinado ao Jardim de
Infância e ao Curso de Alfabetização, agora, são um restaurante, uma sala de
atividades lúdicas, uma biblioteca etc. No andar superior, antes com as salas
das séries do Ensino Fundamental e Médio, no momento, abriga as salas de
exposições artísticas. No pátio, onde
antes ficavam uma piscina e um parque, agora está livre; um espaço em que
ocorrem atrações musicais, por exemplo. Do outro lado, onde era um teatro, fica
um auditório, e por aí vai...
Depois
de transitar por várias salas, me vi diante de uma peça retangular feita com
vários ossos, ligados entre si. Pensei, pois, se após me deparar com aquele
caixão na entrada e sentir-me, de alguma maneira, enterrado naquele espaço, não
chegara a hora de exumar-me das minhas lembranças. Mas, a memória acaba por se
tornar uma espécie de ponto de fusão entre lembranças. E na mesma sala dos ossos,
havia uma gravação numa das paredes: “El crocodilo de Humboldt nos és el
crocodilo de Hegel”.
Para
aqueles que não sabem, Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander Von Humboldt (1769-1859)
foi um geógrafo, naturalista e explorador prussiano, com contribuições à
ciência. Seria ele inclusive o responsável pela introdução de expressões como “jurássico”,
período terrestre que compreende entre 199 a 145 milhões de anos atrás.
Pois,
o crocodilo é considerado um animal cuja origem remonta o período jurássico.
Quanto
a Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) este é responsável pela filosofia
na qual a mente teria em si um conjunto de contradições e oposições que ora se
unem ora se opõe, sem, o entanto, se eliminarem.
Ainda
com relação ao tal crocodilo, este se refere a uma arte de José Alejandro Restrepo,
pelo que se pode entender a diferença de pensamentos de Humboldt e Hegel.
Enquanto o primeiro formulou seu conhecimento no empirismo, mediante suas
viagens para além do continente europeu, o segundo formulou sua tese no plano
ideal, racional.
Aqueles
ossos, aquele caixão, aquela mensagem na parede e aquela escola teriam o
significado que tem para mim se lá eu não estivesse décadas atrás? As ideias
dependeriam da experiência? As lembranças boas e ruins conseguiriam reduzir ou
eliminar umas às outras? De Humboldt a Hegel.
Seja
como for, meus ossos e meu espírito ainda “caminham” juntos. Mas, há um pouco de mim
que ficou enterrado naquele espaço cultural que, um dia, foi uma escola onde
estudei. Outra parte foi exumada e me acompanha ainda hoje. Memória minha lá, e
memória da tal escola cá, comigo.
E, afinal, os crocodilos? Bom, acho que ainda estão lá pra quem quiser ver. Mas, não me
engoliram...